Selecção, tradução e adaptação por Júlio Marques Mota
Política económica: depois de TINA, o que é que ficou? Ficou TINS? Ficou não há nenhuma solução?
Após a sequência muito centrada sobre a sociedade, sobre o casamento para todos, estamos à beira de uma nova “mudança-é-agora” ?
A folhear a imprensa diária, é essa a impressão com que se fica. Aliás, esse “novo começo” parece ter sido objecto de uma palavra de ordem dada a partir de dentro do Partido Socialista. Se Claude Bartolone fala, no Le Monde, de um “segundo tempo do quinquénio”, Stéphane Le Foll evoca, em Les Echos, a “fase ofensiva” do mandato.
Em que é que consiste esta nova fase? Para o Presidente da Assembleia Nacional, trata-se de especialmente de ”melhorar o poder de compra sem desequilibrar as contas públicas”. O ministro da Agricultura fala, entretanto, ” da necessidade de se ter os meios para revitalizar o crescimento “. É uma questão de tempo e poderemos então procurar saber ou perguntar porque não se começou por aí.
Estamos esclarecidos sobre os objectivos e subscreve-se isto sem problemas. Resta ainda determinar quais são os meios para ai se conseguir chegar. É aqui que a coisa se estraga…
Na sequência da deputada Karine Berger, que defendia há ainda uma semana atrás uma mobilização da poupança privada dos franceses a favor do investimento, Stéphane Le Foll afirma o seguinte: “a crise exige que a esquerda mude de estratégia. Durante muito tempo, pensava-se que o estímulo passava pelos gastos públicos e pelos empréstimos. Hoje é o investimento produtivo que irá permitir relançar a actividade”. Uma boa e velha política da oferta, em suma. Como também esta posição é confirmada por Bartolone , que quer quanto a ele “reconciliar-se com os empresários”. Ah, pois, ah, ok, eles estavam zangados?
Mas zangados com o quê? Não é isso exactamente uma política da oferta que o governo Ayrault está a conduzir desde o início? Não é precisamente o objectivo do relatório Gallois, do choque, do pacto, do paleio sobre a competitividade? Não se tratava já, via o CICE (crédito de imposto para a competitividade e para o emprego), de se reconciliar com os empresários? Onde está, portanto, o segundo fôlego do quinquénio?
Acima de tudo, para quem vai servir, portanto, esta política da oferta e esse incentivo ao investimento se os patrões não estão a antecipar a retoma económica? Se se é neoliberal - o que Bartolone e le Foll parecem ser – deve-se então ser consistente. Um dos axiomas do neoliberalismo é o de considerar os agentes económicos como agentes racionais. Há, portanto, uma contradição com o facto de se estar a tomar os patrões como burros. Estes não investem só porque se é gentil, amável, com eles. Eles fazem-no quando vêm nisso algum interesse que para eles o justifica. No entanto, como escreve Frédéric Lordon, “ as empresas só aumentam a sua capacidade de produção na condição de estar a antecipar uma procura suficiente. De resto, elas procedem a investimentos de racionalização que aumentam a produtividade, mas que destroem empregos. Podem-se deixar estar a acumular lucros, contanto que eles o queiram: mas se não há procura, não há então investimento.”
E sem braços, não há chocolate, diz o ditado. Mas Stéphane Le Foll está-se nas tintas, porque favorecer a procura, isto tornar-se-ia piroso, fora de moda. O ministro disse-o sem pestanejar: “a esquerda deve pensar o post-keynesianismo. É verdade que o post-marxismo, por falta de ter sido pensado, levou, de facto, a que este tenha sido ratificado pela esquerda. Na classificação ao nível dos economistas sensatos apenas aí permanece Keynes: apressemos-nos a dar-lhe cabo da vida .
O problema é que o post-keynesianismo já foi testado em toda a Europa e mostrou-se que não funciona. Muitas vozes se levantam agora - e não das mais heterodoxas - a explicar que a política austeritária ”atingiu os seus limites”. Sem falar de instituições – mesmo o FMI e a sua subestimação do “multiplicador orçamental” – ou dos economistas – mesmo o erro magistral cometido por Reinhart e Rogoff – que promovia a dita austeridade baseado em cálculos… falsos.
E perguntar-se-á então, não sem uma ponta de ansiedade : se Marx está morto, se o neoliberalismo e a austeridade já mostraram o que não valem, não valem mesmo nada, e se é necessário matar também Keynes, qual é a solução residual que nos fica?
Depois de nos terem saturado com a palavra TINA (there is no alternative -não há nenhuma alternativa) durante três décadas, será que nos vão agora explicar que não há nenhuma solução (there is no solution -não há nenhuma solução)?
Texto editado por Coralie Delaume,
Blogue L’Arène Nue, em 25 de Abril de 2013
http://l-arene-nue.blogspot.pt/2013/04/politique-economique-apres-tina-est-ce.html
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No blogue de onde o texto é retirado sugerem-nos que se leia o seguinte texto de Marc Bloch que aqui reproduzo na língua original e acrescento a minha tradução:
Marc Bloch :
« Mais le fait est là: et nous pouvons maintenant en mesurer les résultats. Mal instruits des ressources infinies d’un peuple resté beaucoup plus sain que des leçons empoisonnées ne les avaient inclinés à le croire, incapables, par dédain comme par routine, d’en appeler à temps à ses réserves profondes, nos chefs ne se sont pas seulement laissé battre. Ils ont estimé très tôt naturel d’être battus. En déposant, avant l’heure, les armes, ils ont assuré le succès d’une faction. «
‘ Mas o facto está à nossa frente: e agora podemos medir os seus resultados. ‘ Mal instruídos quanto aos recursos infinitos de um povo que durante muito tempo se manteve muito mais saudável do que as lições envenenadas os tinham levado a acreditar, incapazes, por desdém como por rotina, de saber recorrer a tempo às suas reservas profundas , os nossos dirigentes não somente se deixaram bater. Eles consideraram natural desde muito cedo serem batidos. Ao deporem antes do tempo as suas armas eles garantiram o sucesso de uma facção. «
Marc Bloch _ L’étrange défaite_ Témoignage écrit en 1940
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