Quantcast
Channel: coralie delaume – A Viagem dos Argonautas
Viewing all 14 articles
Browse latest View live

RETRATOS, IMAGENS, SÍNTESE DOS EFEITOS DA CRISE DA ZONA EURO SOBRE CADA PAÍS

0
0

Selecção, tradução e adaptação por Júlio Marques Mota

Política económica: depois de TINA, o que é que ficou? Ficou TINS? Ficou não há nenhuma solução?

TINS

 

Após a sequência muito centrada sobre a sociedade,  sobre o casamento para  todos, estamos à beira de uma nova “mudança-é-agora” ?

A folhear  a imprensa  diária, é essa a impressão com que se fica. Aliás, esse “novo começo” parece ter sido objecto de uma palavra de ordem dada a partir de  dentro do Partido Socialista. Se Claude Bartolone fala, no  Le Monde, de um  “segundo  tempo do quinquénio”, Stéphane Le Foll evoca, em Les Echos, a “fase  ofensiva” do mandato.

Em que é que consiste esta nova  fase? Para o Presidente da Assembleia Nacional,   trata-se  de  especialmente de  ”melhorar o  poder   de compra  sem desequilibrar as contas públicas”. O ministro da Agricultura fala, entretanto, ” da necessidade de  se ter  os meios para revitalizar o crescimento “. É  uma questão de tempo  e poderemos então  procurar saber ou perguntar  porque não  se começou por aí.

Estamos esclarecidos sobre os objectivos e subscreve-se isto sem problemas.  Resta ainda determinar quais são os meios para ai se conseguir chegar. É  aqui que a coisa se estraga…

Na sequência da deputada Karine Berger, que defendia há ainda  uma semana atrás uma mobilização da poupança  privada  dos franceses a  favor do  investimento, Stéphane Le Foll afirma o seguinte: “a crise exige que a esquerda mude de  estratégia.  Durante muito tempo, pensava-se que o estímulo passava pelos  gastos públicos e pelos  empréstimos. Hoje é o investimento produtivo que  irá  permitir relançar a actividade”. Uma boa e velha política da oferta, em suma. Como também esta posição é  confirmada por Bartolone , que quer quanto a ele “reconciliar-se com  os  empresários”. Ah, pois,  ah, ok, eles estavam zangados?

Mas zangados com  o quê?  Não é isso   exactamente  uma política da oferta que o governo Ayrault   está a conduzir  desde o início? Não é  precisamente o objectivo do relatório Gallois, do choque, do pacto, do paleio sobre  a  competitividade? Não se tratava já,  via o CICE (crédito de imposto para a competitividade e para o  emprego), de se reconciliar com os empresários? Onde está, portanto, o segundo  fôlego do quinquénio?

Acima de tudo, para  quem vai servir, portanto, esta política da oferta e esse incentivo ao investimento se os patrões  não estão a antecipar a retoma económica? Se se é neoliberal  - o que Bartolone  e  le Foll parecem   ser – deve-se então ser  consistente. Um dos axiomas do neoliberalismo é o de considerar os agentes económicos como  agentes racionais. Há, portanto, uma contradição com o facto de se estar a tomar os patrões como  burros.  Estes  não investem só porque se é gentil, amável, com eles. Eles fazem-no quando vêm nisso algum interesse  que para eles o justifica. No entanto, como escreve Frédéric Lordon, “ as empresas  só aumentam a  sua capacidade de produção  na condição de estar a antecipar  uma procura  suficiente. De resto, elas  procedem a   investimentos de   racionalização que aumentam   a produtividade, mas que destroem  empregos. Podem-se deixar estar a acumular lucros, contanto que eles o queiram: mas se não há procura, não há então investimento.”

E sem braços, não há  chocolate, diz o ditado. Mas Stéphane Le Foll  está-se nas tintas, porque favorecer a procura, isto tornar-se-ia  piroso, fora de moda. O ministro disse-o  sem pestanejar: “a esquerda deve pensar o post-keynesianismo. É verdade que o post-marxismo, por falta de  ter sido  pensado,  levou, de facto,  a que este tenha sido  ratificado  pela esquerda. Na classificação  ao nível dos economistas sensatos apenas aí permanece  Keynes: apressemos-nos a  dar-lhe cabo da vida .

O problema é que o post-keynesianismo  já foi testado em toda a Europa  e mostrou-se que não funciona.  Muitas vozes se levantam agora  - e não das  mais heterodoxas -  a  explicar que a política austeritária  ”atingiu os seus limites”. Sem falar de  instituições – mesmo o FMI e a sua subestimação do “multiplicador  orçamental” – ou dos economistas – mesmo o erro magistral   cometido por Reinhart e Rogoff – que promovia  a dita  austeridade   baseado em cálculos… falsos.

E perguntar-se-á então, não sem uma ponta de ansiedade : se Marx está morto, se o neoliberalismo e a austeridade  já mostraram o que não valem, não valem mesmo nada,  e se é necessário matar também Keynes, qual é a solução residual que nos fica?

Depois de nos terem saturado com a palavra  TINA (there is no alternative -não há nenhuma alternativa)  durante  três décadas, será que nos vão agora  explicar  que não há nenhuma solução  (there is no solution -não há nenhuma solução)?

Texto editado por Coralie Delaume,
Blogue L’Arène Nue, em 25 de Abril de 2013
http://l-arene-nue.blogspot.pt/2013/04/politique-economique-apres-tina-est-ce.html

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

No blogue   de  onde o texto é retirado sugerem-nos que se  leia o seguinte texto de Marc Bloch que aqui reproduzo na língua original e acrescento a minha tradução:

Marc Bloch :

« Mais le fait est là: et nous pouvons maintenant en mesurer les résultats. Mal instruits des ressources infinies d’un peuple resté beaucoup plus sain que des leçons empoisonnées ne les avaient inclinés à le croire, incapables, par dédain comme par routine, d’en appeler à temps à ses réserves profondes, nos chefs ne se sont pas seulement laissé battre. Ils ont estimé très tôt naturel d’être battus. En déposant, avant l’heure, les armes, ils ont assuré le succès d’une faction. «

‘ Mas o facto está à nossa frente: e agora  podemos medir os  seus  resultados. ‘ Mal instruídos  quanto aos recursos infinitos de um povo que  durante muito tempo se manteve muito mais saudável   do que as lições envenenadas os tinham levado a acreditar, incapazes, por desdém como por rotina,  de saber  recorrer a tempo às  suas reservas  profundas , os nossos dirigentes não somente se deixaram bater. Eles consideraram natural desde muito cedo serem batidos.  Ao deporem antes do tempo  as suas armas eles garantiram o sucesso de uma facção. «

Marc Bloch _ L’étrange défaite_ Témoignage écrit en 1940

Coralie Delaume 


Tagged: blogue arena nua, contas públicas, coralie delaume, júlio marques mota, marc bloch, poder de compra, tina

EM PORTUGAL, UM LIVRO ANTI-EURO QUE É UM SUCESSO, por CORALIE DELAUME. TRADUÇÃO E NOTAS DE JÚLIO MARQUES MOTA:

0
0

Nota introdutória

Um texto sobre um livro, um texto sobre João Ferreira do Amaral e não só.

João Ferreira do Amaral e com toda a justiça  é aqui colocado ao mesmo plano que os principais economistas franceses que com as suas análises profundamente críticas , face à eurocracia das Instituições europeias e à arquitectura institucional da zona euro,   vêm defendendo o fim do euro. É pois prazer com vimos João Ferreira do Amaral colocado ao lado de Jacques Sapir, Jean Luc Greau, Jean-Michel Quatrepoint e Frédéric Lordon, quase todos eles nomes conhecimentos dos viajantes em A viagem dos argonautas. Um texto a ler, sobre um livro que, na minha singela opinião,  todos devem ler.

E boa leitura

Júlio Marques Mota

xxxxxx

Em Portugal, um livro anti-euro que é um sucesso (Au Portugal, un livre anti-euro fait un tabac)

 

Não se trata de um polar. Trata-se de um trabalho sobre a economia lusitana. Em Portugal, é um sucesso. Porque devemos sair do Euro , do economista João Ferreira do Amaral, é um dos livros mais vendidos no país. À frente nas vendas , em certas semanas destronava até a trilogia ” As Cinquenta Sombras de Grey, de de E. L. James”, afirma o Wall Street Jornal.

Porque devemos sair do euro

A tese do ensaio é a seguinte: as curas de austeridade impostas em Portugal são sem fim, [sucedem-se umas às outras e sempre com a situação a piorar]. O país perdeu muito em termos de competitividade e não tem nenhuma possibilidade de inverter a situação com o euro, uma ” moeda demasiado forte para a indústria portuguesa”.

Isso também é verdade: a cerca de 1,3 dólares por euro, o euro é uma moeda muito cara. Muito cara relativamente à moeda americana, evidentemente. Mas também relativamente ao yuan – encostado ao dólar, e desde há algum tempo, ao iene também, porque o Japão desde há muito pouco tempo conduz uma política monetária muito expansionista.

Portanto, daí a solução preconizada por João Ferreira do Amaral: regresso ao escudo para, finalmente, ser possível desvalorizar. Uma ideia clássica, para um resultado na livraria que é menos clássico: o livro foi lançado no início de Abril, mas já foi reimpresso… quatro vezes.

***

Um tal acontecimento “literário” é o primeiro do seu género em Portugal, mas não é o primeiro na Europa.

Na Alemanha, o muito controverso Thilo Sarrazin, antigo membro do Bundesbank, de onde teve que se demitir em Setembro de 2010, depois de ter sido acusado de racismo, publicou em Maio de 2012 um inflamado livro anti-euro, l’Europe n’a pas besoin de l’euro ( A Europa não tem necessidade do euro).

É aí que se insurge simultaneamente contra a teimosia de Angela Merkel em querer salvar a moeda única e contra a proposta francesa de mutualizar as dívidas públicas sob a forma de euro obrigações, os eurobonds. Este autor, no seu livro, conclui a sua tese   fustigando a …”chantagem ao Holocausto “, dirigida, segundo ele, pelos outros países para obrigar a Alemanha a permanecer no euro.

***

Nada disto no livro Faut-il sortir de l’eurodo français Jacques Sapir. Publicado em Janeiro de 2012, esta obra é a primeira do género [1].

Faut-il sortir de l'euro

Se o autor aqui defende, clara e exaustivamente, a sua preferência por um abandono da moeda única, o livro tem ainda a  vantagem de apresentar a opção do euro se tornar, isso sim, a moeda comum europeia, ao lado das moedas nacionais.[2]

Esta divisa – comum e não única- seria utilizada apenas para as transacções extra-europeias enquanto que no plano interno, os Estados regressariam às suas moedas nacionais. As paridades dessas moedas, seriam definidas de forma concertada. Esta solução ofereceria duas vantagens: por um lado, o euro protegeria as moedas nacionais dos ataques especulativos externos, apenas o euro-moeda- comum- estaria destinado a “viajar”. Por outro lado, os diferentes países reencontrariam a oportunidade de ajustar as suas taxas de câmbio recíprocas em função das diferenças de competitividade.

Esta opção é igualmente defendida igualmente por  Jean-Michel Quatrepoint e por Jean-Luc Gréau.

Recentemente esta opção é também defendida por Frédéric Lordon.

Fonte: Au Portugal, un livre anti-euro fait un tabac, disponível no blog L’arène nue, o  blog de Coralie Delaume, cujo endereço é: http://l-arene-nue.blogspot.pt/

______

[1] Nota do Tradutor. Na minha opinião, colocaria historicamente o livro de Christian Saint-Etienne, La fin de l’euro, 2009, como a primeira obra a levantar a questão do fim do euro

[2] Desse ponto de vista, veja-se igualmente o artigo de André-Jacques Holbecq A moeda comum contra o desmembramento da área do euro,  já publicado em A Viagem dos Argonautas.


Tagged: coralie delaume, jacques sapir, júlio marques mota, joão ferreira do amaral, l'arène nue, saída do euro

ULRICH BECK, UM SOCIÓLOGO ALEMÃO CONTRA A EUROPA ALEMÃ. Por CORALIE DELAUME

0
0

 Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

Ulrich Beck: um sociólogo alemão contra a “Europa alemã.”

L'Europe Allemande

Devemos dizê-lo  desde o início: o último livro de Ulrich Beck,  A Europa Alemã, De Maquiavel a «Merkievel». Estratégias de Poder na Crise do Euro, de Ulrich Beck, edições 70  não vai revolucionar a reflexão sobre a União Europeia. Sente-se  de certa maneira como se tenha sido  um pouco “rapidamente feito, mediamente conseguido”. Como se o sociólogo quisesse simplesmente tomar e dar conhecimento do tempo. Se o edifício  comunitário viesse a desfazer-se, poderia também Beck dizer-nos que  “bem nos tinha avisado”  e a seguir poderia carregar  sobre  Angela Merkel.

Eles vão todos fazer isso, os pós-nacionais idealistas: caluniar Merkel para melhor se descartarem. Eles explicar-nos-ão que a Europa morre de um ” não muita Europa ” e não de um “muito rápido, muito mal feito”. Eles vão dizer-nos que o que falhou, o que faltou, foi  o grande salto federal. Que são os Estados-nação que erraram  por muito  quererem  continuar a existir, a recusarem-se a autodissolverem-se  na “grande máquina”, em suma, a estarem simplesmente lá, a quererem ser  bem reais. É tão enervante, o real. E muito mais divertido estar a  viver permanentemente um sonho.

Na verdade, Ulrich Beck gosta de sonhar acordado. Com milhares de boas intenções e medos que se sentem sinceros. Mas finalmente, com teatralidade desnecessária! Com declarações de princípios complicadas, ambíguas! E o que é suposto estar a fazer com sugestões tão vaporosas como:

-estabelecer um “contrato social novo” que deve “proteger esta grande liberdade cosmopolita dos ataques dos separatistas que aspiram a uma nova claridade com o retorno das fronteiras” (tudo isso?).

-compreender a “sociedade europeia” como uma ‘sociedade posnational de sociedades nacionais’ (e vice versa?),.

-estabelecer  “entre o movimento de protesto e a vanguarda  que é constituída   pelos construtores da Europa, uma coligação  que permita  dar  um passo de gigante  para uma capacidade de acção transnacional’ (mais ainda?).

Falta apenas  “a implementação da Paz Universal no respeito das diferenças”, a “realização do Amor Transcendental para lá das divisões” e “o aparecimento  de uma República Europeia Plural  no âmbito do desenvolvimento social e solidário”.

Em suma,  a tradicional charabia messiânica .

O livro apresenta no entanto um interesse, totalmente bem resumido no título do livro. Se Beck evolui mais no mundo dos princípios evanescentes do que no da política, se é que não devemos esperar que ele ofereça alguma solução concreta para a crise da construção europeia, continua a ser instrutivo lê-lo,  ler  pela mão de um  intelectual alemão  uma genuína preocupação  quanto ao  processo de “Germanização” da Europa. E se berramos contra a  ” germanofobia” quando  é um francês que fala,  sentimo-nos   autorizados a louvar a lucidez sem concessões de um alemão a dizer  ”não” a uma  ’ “Europa alemã. “

Para o autor, portanto, sob a liderança de Angela Merkiavel (Merkel + Machiavelli: eh,  Beck é um grande malandro), a Alemanha tornou-se hegemónica na  Europa. Hegemónica politicamente, através da sua incrível saúde económica e da sua capacidade em se colocar , ou em se recusar a colocar-se  a socorrer os países  em dificuldades.   Hegemónica em termos ideológicos, porque a ajuda é concedida apenas na condição de que os países do Sul aceitem  algum tipo de “reeducação” e de se converter para a cultura da estabilidade alemã.

Mas hegemónica  sem o ter querido. Um pouco por ausência  e de maneira  mal assumida. Guillaume Duval, o autor de Made in Germany,  explica que os alemães “têm a liderança, mas eles não sabem o que fazer dela.  Eles são como uma galinha que teria encontrado uma faca”. Como em eco, Beck responde: “o poder do Merkiavel baseia-se na vontade de não fazer nada, sobre a sua propensão para o não-agir-ainda, para o agir  mais tarde,  para hesitar”.

Uma Alemanha super-poderosa mas um tanto desajeitada, uma Alemanha embaraçada nesta  União Europeia que ela queria  lentamente  e que é um pouco forçada  a ” ocupar-se”, e ela não teria  querido , por óbvias razões históricas, ocupar-se  agora senão dos  seus próprios  assuntos: Esta é a imagem que se  desenha  sob a  pena de Ulrich Beck.

Original e suficientemente bem visto para merecer que se lhe dê bastante  atenção, para lá de algumas  infantilidades do autor em torno da ideia de uma Primavera “Europeia ” que não parece possível  para amanhã.

Ulrich Beck: un sociologue allemand contre « l’Europe allemande », texto disponível no blog :  http://l-arene-nue.blogspot.fr/


Tagged: alemanha, coralie delaume, integração europeia, júlio, ulrich beck

SAÍDA DO EURO – A RESPOSTA DE CORALIE DELAUME – I

0
0

Pergunta formulada por Júlio Marques Mota, que também fez a tradução.

À pergunta formulada

Eis pois a questão que levanto aqui e agora, uma vez que Portugal se recusa viver em autarcia como um país pequeno que é, uma vez que a saída da zona euro unilateral é também ela inaceitável, uma vez que a saída apoiada pela UE é, por seu lado, impraticável, e tendo ainda em conta o conjunto, caracterizado pela ignorância, ganância e maldade, destes que nos governam, seja a nível regional seja a nível nacional, então o que fazer para não se morrer, mesmo que lentamente (!) com estas políticas que estão e estão mesmo para durar e  talvez mais de dez anos, de acordo com as declarações de Jens Weidmann ao Wall Street Journal.

Aqui vos deixamos como resposta um texto disponibilizado por Gil Mihaely da revista Causeur, facto que muito agradecemos. A Gil Mihaely e a todo os que fazem esta revista as nossas felicitações.

Euro: a mutação ou a explosão. Quanto menos gostamos dele, mais ele se sobrevaloriza 

Parte I

coraliedelaume

“A única solução reside agora numa saída do euro, quer esta seja negociada ou não”. Foi nestes termos categóricos que Jacques Sapir concluiu um recente fórum dedicado à crítica do mais recente plano europeu de “resgate”. O economista, que já o conhecemos como menos pessimista, parece defender a morte da moeda única. Também não é o único. Se acreditarmos em Jean-Pierre Chevènement, “tudo se passa como se a Alemanha, prisioneira dos seus dogmas, tivesse já na sua cabeça a saída do euro”. Assim, portanto, os alemães, de que se disse tanto que eles eram os principais beneficiários da moeda europeia, já se teriam resignado. Nestas circunstâncias, será que podemos — e que devemos — ainda querer salvar o euro?

Uma síntese histórica como lembrança impõe-se. Originalmente, não foi a Alemanha, que foi o principal promotor da unificação monetária, mas sim a França do tandem Mitterrand-Delors. Com o pensamento num outro conjunto, o duo Monnet-Schuman, os dirigentes socialistas da década de 1990 tinham a ambição finalmente de conjurar memórias das guerras intra-europeias. A premissa que precedeu a criação do euro foi pouco mais ou menos isto: as nações, em especial a alemã, traziam com elas o germe da guerra e seria necessário neutralizá-lo. Uma dose suficiente de comportamento económico-monetário supranacional deveria chegar para amarrar os Estados num entrelaçamento de interesses materiais de facto e “arrancar as pátrias (…) às castas do militarismo” (Jaurès).

E assim, no lado francês, é na verdade por ser uma resposta face à reunificação da Alemanha que se defende uma moeda única. A moeda europeia para François Mitterrand e Jacques Delors aparecia como uma garantia contra a remanescência de tentações pan-germânicas. Os franceses estavam ansiosos por criarem o euro, enquanto na Alemanha o chanceler Kohl ardilosamente adiava a data de entrada definitiva do euro como moeda europeia. Para convencer os alemães a abandonar o seu marco, o euro forte, era necessário dar-lhes garantias. À política do franco forte sucedeu-se a de um euro forte, sustentado por um Banco Central Europeu (BCE) principalmente preocupado em lutar contra a inflação e cujos estatutos parecem semelhantes ao do Bundesbank.

Conhece-se a sequência. Iniciada na França e inscrita na lei de 3 de Janeiro de 1973, a proibição para os Estados de se financiarem junto dos seus bancos centrais foi difundida por toda a Europa pelo Tratado de Maastricht. Os diferentes países são, portanto, forçados a recorrer aos mercados. Estes últimos começaram, primeiro, por ver na criação do euro uma garantia de estabilidade e começaram por conceder empréstimos com as taxas a níveis muito baixos aos países do Sul da Europa. Assim, a Grécia, a Itália e outros puderam-se endividar para lá do razoável porque beneficiavam, contra toda a lógica, das taxas de juro alemãs. Hoje, as diferenças nos spreads tornaram-se consideráveis. As taxas de juro propostas para os “PIIGS” são tais que elas só podem ter como efeito o aumento drástico da sua carga da dívida, instalando esses países num círculo vicioso e sem fim.

Ao mesmo tempo, a divisa euro é sujeita pelos mercados a um forte aumento do seu valor enquanto divisa. Quando efectivamente colocado no mercado, em 2002, um euro valia US$ 0,88, actualmente a paridade euro/dólar é superior a 1,35. Ora, se uma moeda forte pode ser favorável e mesmo apropriada para a economia alemã, este valor alto para o euro é totalmente inadequado para países que não dispõem das mesmas vantagens comparativas “extra-custos” que os nossos vizinhos além-Reno. Ao actual valor do euro, a Alemanha pode ainda exportar máquinas e automóveis de luxo “made in Germany”, mas não se podem exportar mais produtos, gregos, italianos, portugueses, espanhóis ou mesmo franceses.

Por outro lado, uma tal sobreavaliação da sua moeda é tanto menos suportável quando a Europa abandonou toda e qualquer protecção aduaneira. Desde 1994, com o fim do Uruguay Round e a transformação do GATT em Organização Mundial do Comércio (OMC), o nosso continente tornou-se um dos melhores alunos da OMC. A União Europeia está sempre disponível para todos os tipos de dumping, sejam eles sociais, ambientais, fiscais ou monetários. Pode-se certamente cada vez muito menos estar a combater a concorrência de países como a China, onde o custo do trabalho é insignificante, quando se vive com uma moeda sobreavaliada, quando os chineses beneficiam de uma moeda subavaliada. As dificuldades acumulam-se, tornando a situação da zona euro tão difícil que esta agora parece estar à beira da explosão.

coraliedelaume - IIManifestantes em frente à sede do BCE em Frankfurt, em Outubro de 2011. (DANIEL ROLAND / AFP)

Certamente, dizem-nos, que o principal erro foi o de acolher a Grécia na zona euro. Acusa-se — e com razão — que o país falsificou as contas para se tornar elegível no quadro da moeda única. Portanto, uma saída do euro da península grega deixa assim de ser um tabu. Esta hipótese foi amplamente discutida quando Georges Papandréou levantou e muito fugazmente a hipótese de oferecer ao seu povo um referendo. Mas esta solução pode ser verdadeiramente uma solução? É pouco provável, porque a Grécia, embora tenha conseguido fazer tremer o continente, representa apenas 2,5% do PIB da zona euro. A Grécia é apenas a pequena ponta de um grande iceberg. A sua dívida é de 350 mil milhões de euros. E o que se passaria se, uma vez este país colocado fora da zona euro, a especulação — que já começou a fazê-lo — se atirasse aos 1900 mil milhões de euros da dívida italiana? Há poucas possibilidades, então, que o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), mesmo que levado até aos 1000 milhares de milhões euros, esteja à altura de a enfrentar. Tudo leva, também, a credenciar a tese do “efeito dominó”. Após a Grécia e a Itália, é a vez de Portugal e da Espanha entrarem em forte turbulência. Depois… depois a França. O economista Philippe Dessertine afirma: “a questão não é tanto se nós seremos afectados, a questão é a de saber quando”.

(continua)

Tagged: coralie delaume, júlio marques mota, saída do euro

ESTA NOITE OU NUNCA MAIS – PORQUE É TEMOS A IMPRESSÃO DE VIVER “LA RENTRÉE” POLÍTICA MAIS CATASTRÓFICA DA Vª REPÚBLICA – por CORALIE DELAUME

0
0

 Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

02

Esta noite ou nunca mais

Porque é temos a impressão de viver “la rentrée” política mais catastrófica  da Vª República

Ce soir ou jamais, por Coralie Delaume*

Blogue L’Arène Nue, 7 de Setembro de 2014

catástrofe - I

Era convidada na sexta-feira à noite no programa Ce soir ou jamais sobre o tema  “porque é que  têm a impressão de estar a viver “la rentrée” política  mais catastrófica da 5.a República?”

catástrofe - IIIsto é a versão longa de um artigo publicado  em Le Figaro do 9 de Maio.

Na  véspera das eleições europeias, alguns atarefam-se  a explicar-nos quanto o voto  é importante. Explicam-nos que a nova maioria no Parlamento europeu condicionará, pela primeira vez, a designação do presidente da Comissão, o que constituiria um progresso substancial da democracia.  Isto significa tomar os seus sonhos pela  realidades. O presidente da Comissão Europeia, quer seja Martin Schultz quer seja Jean-Claude Junker, Vai representar o velho europeísmo  de papá. Entre eles, é necessário procurar as diferenças à lupa, como se mostrou no  debate feito na  televisão  que foi verdadeiramente sem nível  e por isso mesmo vergonhoso,  que opôs os  dois candidatos no  dia 9 de abril passado.

Se sobrestimamos  a próxima eleição, é porque  sobrestimamos   igualmente o papel da Assembleia de Estrasburgo. Também é necessário recordá-lo, esta não tem a iniciativa directa “das leis europeias”.  Esta vota, seguramente,  o orçamento da União mas este é irrisório: mal  chega a 1 % da riqueza da UE. O Parlamento europeu também não  pode modificar nenhum dos tratados. Resumidamente, é muito mais uma câmara de registo do que um órgão de decisão. A sua eleição por  sufrágio universal directo serve essencialmente para  tentar legitimar – sem grande sucesso – um edifício comunitário tecnocrático e sem ligação à sociedade.

Não podia ser de outro modo.  O Parlamento europeu não pode ser  outra coisa que não seja uma quinquilharia. Não pode ser uma verdadeira assembleia representativa dado que não é a emanação do povo europeu. E por causa: um tal povo não existe. A Europa agrega vinte e oito países. O simples facto de as eleições europeias se  desenrolarem  no quadro nacional dos 28 Estados-Membros testemunha-o  claramente. Também não poderia aí haver uma  autêntica democracia europeia. É um pleonasmo mas é necessário dizê-lo, apesar de tudo:  “democracia” significa literalmente “poder do povo”. Ora na falta de um povo comunitário, não pode haver democracia comunitária.

Mudar  a ordem jurídica europeia

Eis pois a razão pela qual  a Europa como foi concebida é um buraco negro  democrático. Eis pois a razão pela qual a desconfiança dos cidadãos não cessa de crescer e porque será  necessário, um dia ou  outro, remediar esta situação.

Será necessário sem dúvida para isso  reexaminar o edifício institucional, mesmo que para isso se tenha de modificar em profundidade o direito da União Europeia. Embora se afirme  frequentemente o contrário, os tratados europeus primam de facto sobre as Constituições nacionais. A Constituição francesa, para citar apenas esta,  já foi  alterada cinco vezes desde 1992 a fim da ser eurocompatível. Quanto ao direito dito “secundário” (as directivas e os regulamentos), prima igualmente sobre os direitos nacionais desde que o Tribunal de Justiça do Luxemburgo decidiu assim no seu acórdão Costa contra ENEL de 1964. Uma decisão jurisprudencial do Tribunal, tomada fora de qualquer controlo democrático, nunca debatida e nunca contestada desde então.

Isto não poderá  durar eternamente. A ordem jurídica europeia deve ser reexaminada de modo a que as regras de direito estabelecidas em nome dos cidadãos por verdadeiros deputados – dito de outra maneira, por deputados nacionais – não possam ser ultrapassadas por  normas supranacionais de  legitimidade democrática duvidosa. Pronta a admiti-lo de uma vez por todas,  a Europa não pode tornar-se nesta fase  num Estado federal, deve permanecer  por agora  uma organização internacional, respeitadora dos seus membros.

Fazer o luto pelo euro

Será necessário igualmente desfazer-se do euro. Chegou-se a acordo sobre um certo número de taras da moeda única, em especial sobre a sua sobre-avaliação.  Mas se o euro, à cotação de  1,38 dólar, é certamente muito caro para a França e para os países do Sul, não o é para toda a zona. Dado a estrutura da economia alemã não o é, por exemplo, para a República federal. Portanto põe-se o problema seguinte: países economicamente muito diversos podem partilhar  uma só e mesma moeda? A experiência das crises recentes tende a indicar que a resposta é negativa.

Mas pode-se ir um pouco mais longe. Porque o problema do euro não se  põe  apenas em termos económicos. Para lá dos  agregados, rácios e de outros argumentos técnicos, a verdadeira  pergunta a fazer é a seguinte: é razoável carregar bizarramente uma moeda única de  povos diferentes, tendo modalidades de formulação do seu contrato social dissimilares?

Porque a moeda única não é apenas um simples instrumento. É também um elemento essencial da soberania e acompanha a própria história  de um país. Portanto, é sem dúvida ilusório querer fazer coabitar numa moeda única  países cujas  trajectórias a médio prazo divergem. Basta ver o par França-Alemanha – ou o que ainda resta dessa ligação. A Alemanha, cuja demografia declina, pode ter apenas um objectivo de longo termo: conseguir gerir a sua população idosa. Para o efeito, o nosso vizinho tem necessidade de armazenar hoje os excedentes comerciais que pagarão as reformas de amanhã. Tem igualmente necessidade de uma inflação fraca que garanta o valor da sua poupança. Deste modo agarra-se a uma política monetária restritiva. A França beneficia de uma demografia mais dinâmica, que torna um necessário o crescimento, a criação  de empregos e de uma inflação superior. Como poderia convir uma política monetária única a estes dois países?

E a zona euro  não conta apenas dois membros mas dezoito, dos quais muitíssimo poucos  (sem dúvida nenhum deles)  parecem pronto  para fazer o salto para o orçamental federal susceptível de a  tornar  viável.

Falar aos nossos parceiros

A termo, a zona euro está  condenada. Seria por conseguinte mais razoável desmantelá-la  a partir  da situação actual do que estar à espera  passivamente que ela venha a explodir  na maior das desordens. Ainda aqui é necessário convencer os nossos parceiros. É responsabilidade da França empenhar-se neste projecto  como país charneira entre a Europa do Norte e a do Sul, com efeito melhor está melhor colocada para dialogar ao mesmo tempo com a Europa mediterrânica e com a Alemanha.

Sem dúvida que os Alemães serão difíceis de convencer, na medida em que é verdade  que um regresso às moedas nacionais provocaria uma reavaliação da sua moeda,  tornaria bem mais caras as suas exportações e contrariaria a sua estratégia mercantilista, por conseguinte, atingindo os seus interesses a curto prazo.

A longo prazo contudo, a última coisa  de que a Alemanha terá necessidade é de uma  Europa que se inclina para  o caos. Situada ao centro do continente, seria evidentemente vítima disso. Exercendo a liderança económica de facto, sem dúvida seria  igualmente considerada como o país  responsável. Assim, também não poderá estar interessada em que  a da Europa do Sul venha  a cair  numa espiral deflacionário mortífera.

Quanto  à mutualização  das dívidas soberanas de que a  Alemanha sempre assegurou não querer, custe o que custar,  esta foi feita quase que silenciosamente   através do Mecanismo europeu de estabilidade (MEE), em que a República federal alemã  garante até 190 mil milhões de euros (e a França até 142 mil milhões mesmo assim !). Uma nova crise das dívidas do Sul custaria indubitavelmente extremamente caro a toda a gente, incluindo ao contribuinte alemão que Angela Merkel está  no entanto  tão  preocupada em salvaguardar.

Há por conseguinte lá, para a França, matéria a argumentar. Fez-se muito pouco caso  desta observação profundamente lúcida  e iconoclástica  da  chanceler  alemã  aquando do Conselho Europeu de Dezembro de 2013: “cedo ou tarde,  a moeda explodirá, se não se verificar a coesão necessária”**. Dado que ela já  o sabe, porque não começar já a discutir a solução?

________

* Ver o original em:

http://l-arene-nue.blogspot.pt/2014/09/ce-soir-ou-jamais.html

** Ver:

http://www.lemonde.fr/europe/article/2013/12/21/angela-merkel-tot-ou-tard-la-monnaie-explosera-sans-la-cohesion-necessaire_4338534_3214.html

 

 


Filed under: Política Tagged: alemanha, coralie delaume, frança, integração europeia, júlio marques mota, saída do euro, união europeia

SOBRE OS LEOPARDOS QUE QUEREM BEM SERVIR BRUXELAS – DA FRANÇA, FALEMOS ENTÃO DA POLÍTICA DE HOLLANDE. – CRISE: O ESTADO VENDE AS JÓIAS DA FAMÍLIA, de CORALIE DELAUME

0
0

02

 Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

mapa_franca

12. Crise: o Estado vende as jóias da família 

Leopardo - XXVI

Crise: o Estado vende as jóias da família

 Coralie Delaume,  Crise: l’Etat vend les bijoux de famille

Blogue L’Arène Nue, 12 de Maio de 2013

Leopardo - XXV

Não há pequenos ganhos, sobretudo quando se trata de alcançar objectivos muito pequenos.

Assim, para quem não tem outra intenção que não seja a de “reduzir os défices” e “atingir o equilíbrio”, para quem sonha comparecer perante o tribunal da história, adornado com o glorioso título de “bom gestor da coisa pública”, que considera que a ‘boa governança’ tem direito de Majestade, não há que ter nenhuma hesitação. É preciso vender tudo.

Vender-se-á tudo o que pode ser vendido . Tudo o que tem o mau gosto de ter um interesse para além do seu estrito valor de uso. O que é bonito, o que é elegante, o que é delicado não tem agora pertencia nenhum lugar que não seja o de Mont de Piété, o da casa de penhores. É o “realismo económico” que o exige.

É, portanto, ao “realismo económico” que se deve esta bela ideia: no final de Abril, fomos todos informados de que ia ser colocado em venda pelo Palácio do Eliseu, uma parte da sua adega. E é a AFP que nos vem dizer: “algumas garrafas, cerca de mil e duzentas garrafas serão leiloadas (…)”. garrafas de Petrus 1990 estimadas em dois mil e duzentos euros cada, mas também vinhos mais modestos de 15 euros serão incluídos no lote”.

Eis pois a solução para a restauração das contas públicas do Estado francês: vender garrafas de vinho a 15 euros cada. Bem, de repente, questionamo-nos sobre a razão que leva a que estas garrafas tenham que ser vendidas “no hotel Drouot, em Paris”. Vai levar tempo e vai provocar uma grande agitação, saber a resposta. Sem dúvida uma venda on-line e em Leboncoin.fr chegaria. Teria sido “mais eficiente”, como diz os RGPPistes de serviço.

Mas isso não é tudo. Escutando apenas a sua fria razão de “mandarins da sociedade burguesa” (Jacques Mandrin), os enarcas do Tribunal de contas tiveram uma ideia ainda bem melhor: empobrecer fortemente a guarda republicana.

Luta sem tréguas contra o desperdício! Os membros da venerável instituição decidiram finalmente enfrentar o cerne do problema francês: a protecção dos palácios nacionais e cerca de 280 milhões de euros que isso representa. Uau, que susto! Se relacionamos isto com os cerca de 375 mil milhões de euros que o estado planeia gastar em 2013, compreende-se imediatamente o âmbito histórico da questão.

E seguidamente, a Guarda republicana, é um corpo militar que não serve para nada. Isto responde apenas “a objectivos de prestígio”. É dizer se é has been. De resto, sobre este criteriosa e justa ideia, que se poderia aproveitar para estabelecer um preço por grosso sobre o Palais Bourbon e sobre o do Luxemburgo, e para enviar os nossos eleitos anacrónicos sentarem-se num pré-fabricado construído para esse fim nas margens da porta Pantin?

De maneira premonitória, Régis Debray alarmava-se, há já algum tempo, do perigo que corria a Guarda republicana, este “nó estratégico para a salvaguarda do impalpável face ao utilitário”, esta “última trincheira em face das lógicas das empresas”. Seguidamente acrescentava: “o dinheiro não tem necessidade de nenhum sabre à claridade, a política, essa sim. Uma estética é-lhe indispensável”.

A política? Que horror! Esta gera paixões, e às vezes mesmo, faz mortes.

A política: aí está por conseguinte aqueles que tentam, basicamente, despedir os pequenos telegrafistas numa atitude de zelo “da boa governança”. Atacando-se com cuidado a tudo o que possa conter um pouco de alma, a tudo o que tenha, mesmo que ligeiramente, um pouco de sabor, a tudo o que tenha a ver com a elegância – julgada obsoleta – e do penacho – tudo isto está fora de qualquer interesse. Porque esperam que ocorra cedo este fim da História onde, por último, verão reconhecidos pelo seu justo valor, quer a sua racionalidade contabilística quer as suas aptidões de vendedores de quiosques, estas duas faculdades próprias das mentalidades mesquinhas, de gente cheia de podres, de gente sem coração.

L’arène nue, Le blog de Coralie Delaume, Crise: l’Etat vend les bijoux de famille.

Texto disponível em :

http://l-arene-nue.blogspot.pt/2013/05/crise-letat-vend-les-bijoux-de-famille.html


Filed under: Política Tagged: consolidação orçamental, coralie delaume, défice público, frança, júlio marques mota, l'arène nue, medidas de austeridade, privatizações

DE BRUXELAS, ONDE REINAM A IGNORÂNCIA E A MALDADE, À REALIDADE DOS PAÍSES EM IMPLOSÃO – 5. SE A COMISSÃO RETOCASSE O ORÇAMENTO DE 2015 DA FRANÇA, por CORALIE DELAUME

0
0

Falareconomia1 

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

europe_pol_19935. Se a Comissão retocasse o orçamento de 2015 da França

 

Coralie Delaume, Si la Commission européenne retoquait le budget 2015 de la France….

Blogue L’Arène Nue, 6 de Outubro de 2014

commission-européenne

 

Outrora, dizia-se  que o consentimento ao  imposto era o princípio da democracia. Da mesma forma, nesses tempos recuados, enquanto  se  andava ainda a  cavalo, os príncipes encantadores lutaram ainda contra os dragões e utiliza-se  a rede  Minitel para dragar  on-line, muitas pessoas acreditavam que a votação do orçamento do Estado  era  uma das principais prerrogativas dos representantes da nação, ou seja, do Parlamento.

Mas isso, como se pode agora dizer, era  dantes.

Agora é diferente. Modernizaram-se estas velhas práticas  porque  com elas já se sentia o pó assente em camadas.  Estas práticas não eram muito divertidas,  não eram muito wizzz, elas não eram muito « my government is pro-business ». Por acaso, veio a União Europeia, que nos ajudaram a pôr fim  a estes factores de rigidez.

O six-pack (oh sim) e  two- pack (come on babe) são uma série de textos aprovados pelo Parlamento Europeu em 2011 e 2013, e que em grande medida aumentaram as prerrogativas da Comissão Europeia em matéria orçamental. Na base destas  directivas e regulamentos, esta Comissão pode agora  projectar o seu olhar aveludado de jovem corça  sobre os  projectos de lei de finanças dos  diferentes Estados Membros, mesmo antes de tais  projectos serem  examinados pelos parlamentos nacionais. Isto é, cada um fique com as suas duvidas ou certezas,  trata-se aqui de  um grande passo a favor da “democratização das instituições europeias”  e ” da aproximação entre a União e os cidadãos”’ tudo isso sendo bastante desejado pelos defensores de  Bruxelas.

É este o  joguinho  pouco intrusivo que actualmente pratica  a Comissão. E é na base destes poderes a brilharem de novinhos em folha que, dizem-nos, ela deve exigir à França que:

– corrija  o seu projecto de orçamento,

– na ausência de resposta,  pague  uma multa  de 4 mil milhões de euros,

– e, finalmente, pan – pan,  cucu, um supositório e fazer ó-ó.

Felizmente, em termos de afronta, a França tem podido beneficiar de um treino preventivo feito à medida: primeiro teve que implorar para conseguir colocar  um francês – Pierre Moscovici – numa pasta económica no actual executivo europeu. Depois teve  que aceitar que este seja ladeado por dois   superiores hierárquicos (1), ambos conservadores e, respectivamente, dos países bálticos e do norte da Europa. A França talvez o venha a ver a reajustar-se,  apesar de tudo, depois deste se ter prontificado a uma audição face aos deputados do Parlamento europeu considerada pouco convincente por estes. .

Naturalmente, isto não passa de ninharias em comparação com o impacto que teria uma  censura do projecto de lei de finanças, sendo certo que esta seria caracterizada como uma violação das prerrogativas do Parlamento francês. Que este projecto seja  tácita e antecipadamente aceite e por todos, e o facto de que não nos lembramos de alguma vez ter ouvido algum  protesto contra a adopção dos packs  Six e Two,  não muda nada a esta questão. A humilhação seria total.

Acima de tudo, seria uma magnífica  prova da aplicação da regra “dois pesos, duas medidas” quanto à forma como  os peritos contabilistas  de Bruxelas conduzem as suas expedições punitivas. Com efeito, a Comissão não pretende punir apenas os défices, mas o conjunto de todos os  desequilíbrios macroeconómicos. Os excedentes excessivos obviamente pertencem a este conjunto uma vez que eles também contribuem para desestabilizar a economia da zona  euro. Em princípio, é pois proibido, portanto, a  um país membro apresentar um saldo nas suas contas  externas atuais superior  a 6% do seu PIB durante  mais de três anos.

Um país, no entanto,  não tem respeitado esta regra, na maior das alegrias  e desde há muito tempo. Trata-se, é claro, da Alemanha, que detém – à frente ainda da  China – o recorde dos  excedentes comerciais no mundo e que deverá apresentar  um excedente actual na casa dos  7,2% do PIB este ano. Um valor que alarma muitas pessoas porque os Estados Unidos se mostraram muito sensibilizados já em 2013, seguido depois  pelo Fundo Monetário Internacional. Até o austero Presidente do o Banco Central alemão, Jens Weidmann, parece ter defendido uma vez que se deveria “alisar”  a competitividade relativa alemã,  pois  que ele próprio  propôs em Julho passado que os salários alemães fossem aumentados de  3% no seu país.

A Comissão Barroso, por sua vez, considera de um modo  furtivo  aplicar  sanções contra Berlim. Desde então, não há notícias, ao ponto de sentirmos  necessidade  de nos atrevermos a esta questão:  “onde estão, as sanções, onde estão?

Chatice,  não podemos ter nenhuma dúvida  de que Jean-Claude Juncker, que deve o seu cargo de Presidente  da Comissão a Angela Merkel, tal  como já lhe devia também a possibilidade  de ter sido candidato (2),  se aventure a abrir este espinhoso dossier. E nós questionámos-nos  novamente: onde está a imparcialidade, onde está ela?

________

1. Os dois superiores hierárquicos de Pierre Moscovici são o Finlandês Jyrki Katainen, doravante Vice-Presidente da Comissão encarregado do emprego e do crescimento, e o Letão Vladis Dombrovskis, Vice-Presidente encarregado do euro e… do diálogo social (se, se….).

2. Angela Merkel primeiramente  impôs  que Jean-Claude Juncker seja o candidato do PPE ao cargo de  Presidente da Comissão porque não queria de modo nenhum  Michel Barnier. Impôs, em seguida,  que Juncker fosse efectivamente  nomeado, apesar da violenta oposição da Grã-Bretanha.

________

Ver o original em:

http://l-arene-nue.blogspot.fr/2014/10/si-la-commission-europeenne-retoquait.html

 


Filed under: Política Tagged: comissão europeia, coralie delaume, défice orçamental, frança, júlio marques mota, l'arène nue, orçamento 2015

A COMISSÃO EUROPEIA É FORTE COM os FRACOS E FRACA COM OS FORTES, por CORALIE DELAUME

0
0

Falareconomia1

 Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Comissão Europeia - I

 A COMISSÃO EUROPEIA É FORTE COM os FRACOS  E FRACA COM OS FORTES

Coralie Delaume* , La Commission européenne est forte avec les faibles et faible avec les forts

L’Arène Nue, 11 de Março de 2015

«Queres ou não queres?»: esta poderia ser  a pergunta que se gostaria   às vezes de pôr aos indecisos da Comissão Europeia. E corríamos o risco de termos como respostas o seguinte: «bem,  talvez  sim, bem, talvez não». Porque aí estaria  um momento em que eles se tornam  ambíguos. Vão eles sancionar a França devido ao seu  défice orçamental excessivo? Não  ainda,  parece-nos. Ao fim de  de muitos zigue-zagues, Bruxelas decidiu na  semana passada atribuir um prazo de dois anos ao nosso país de modo a que possa colocar o  seu  défice sob a barra dos 3%.

Attention toutefois à ne pas se méprendre. Comme Pierre Moscivici l’a affirmé, « il ne s’agit absolument pas d’une surveillance ». Juste d’une attention appuyée. En outre, il ne s’agit pas non plus d’une punition car « l’Europe n’est pas faite pour punir, pour contraindre ». Non, le Commissaire à l’économie l’assure : il s’agit seulement d’amicales « incitations ».

A França não será sancionada mas continua a  ser rigorosamente seguida.  Atenção contudo para que não se enganem. Como Pierre Moscivici  o afirmou: “não se trata  absolutamente de nenhuma  vigilância”. Trata-se exactamente, isso sim, de uma atenção apoiada. Além disso, também não se trata de uma punição porque “a Europa não é feita para punir, para condicionar”. Não, o Comissário para a Economia  assegura-o: trata-se apenas de amigáveis “estímulos”.

Como   se expressam essas incitações, esses  “estímulos”? Essencialmente por uma injunção contraditória, que torna ilusório  toda e qualquer  perspectiva de sucesso. Com efeito, Paris vê-se convidada a respeitar no mesmo tempo os objectivos de défice nominal e os objectivos de défice estrutural. Quanto ao  défice nominal, é-lhes pedido que seja colocado em  4% do PIB em 2015, seguidamente em  3,4% em 2016 e 2,8% em 2017. Em termos estruturais, Bruxelas lamenta os esforços de redução insuficientes e deseja que sejam pelo menos de 0,5 pontos de PIB.

Problema: estes objectivos simultâneos entram em conflito. O rácio de 3% de défice público faz parte dos famosos “ critérios de convergência” de Maastricht. A noção “de défice estrutural”, quanto a ela, é mais recente. A incapacidade de numerosos países em controlarem as suas finanças públicas conduziu a Europa de conceder isto: o ambiente degradado, consequência da crise de 2008-2010, torna o restabelecimento das economias difícil. Por conseguinte, decidiu-se igualmente  atacar-se “o défice estrutural”, noção estatística  um pouco indefinida  mas que tem o mérito de ter em conta os efeitos da conjuntura. Em princípio, não se passa a forçar um Estado a praticar mais austeridade se este não for o  responsável pelo  não respeito dos seus objectivos, e se um ambiente globalmente desfavorável entravou os seus  esforços.

É aqui que o cassetete dói. Querer reduzir os dois défices ao mesmo tempo, o estrutural e o conjuntural, infringe toda e  qualquer lógica. É querer uma coisa e esforçar-se de  a tornar impossível . É dizer que é ao mesmo tempo importante   ter em conta  a conjuntura e que é igualmente urgente ignorá-la.  Um pouco como se alguém explicasse   ao piloto de um veículo que o melhor para virar à direita era continuar em frente. Assegura-se  assim que vai bater em frente, no muro…

Para além disto,  como todos os outros países, a França foi sujeita  a uma análise dos  seus “desequilíbrios macroeconómicos”, uma outra novidade introduzida em 2011. Este procedimento conduzido a Comissão Europeia a acompanhar também não apenas a  dívida publica e os défices públicos dos Estados-Membros, mas também um chamado quadro de bordo composto de indicadores diversos, acompanhados de limiares. Se um dos limiares for ultrapassado, considera-se que o país em análise  se  arrisca a destabilizar  toda a economia da União. Entre estes indicadores está  – é uma boa notícia – o saldo da balança corrente. Este não deve exceder 6% do PIB durante três anos consecutivos. Para dizê-lo de uma forma simples, um Estado não pode ter um comércio externo muito florescente sem que isso prejudique toda a UE. É a menor das coisas : em regime de moeda única, um país que acumula  excedentes sem que se dê a apreciação da sua moeda para funcionar como instrumento de correcção, fá-lo obrigatoriamente à custa dos seus  vizinhos. Na zona euro, os excedentes de  uns são os défices dos outros.

No entanto, acontece que há um Estado-Membro que desde há muito tempo tem rebentado o tecto estabelecido, com um excedente regularmente superior à 7% do seu PIB. Este país tem o mais forte excedente corrente ao mundo – está mesmo à frente da China – e o seu excedente comercial bate anualmente o  recorde  (217 mil milhões de euros em 2014 ou seja 11% melhor que em 2013). A Alemanha, porque certamente é dela que se trata,  está sistematicamente fora das regras fixadas por Bruxelas. E com razão : o país não investe. Fazendo assim, não gasta nada, mas destabiliza  toda a zona  euro zona e hipoteca o seu próprio futuro.

É por isso  que a partir de 2013, José Manuel Barroso tinha encarado sancionar  a República Federal alemã. Certamente, a ideia foi  rapidamente guardada num cofre bem forte e a ideia de a pôr em prática no quadro do aparelho coercivo  sobre “os desequilíbrios macroeconómicos “ deixou de ser um tema de interesse.  É apenas em voz muito baixinha  que a Comissão solicita junto de Berlim algumas  correcções. Porque é bem mais fácil incriminar a França pelo  seu défice… ou a Grécia pela sua  dívida. Quanto à Alemanha, não se saberia impor-lhe o quer que seja,  e sobretudo nada que tenha a ver com “as reformas de estrutura”. Depois de tudo isto, como diz Pierre Moscovici, “a Europa não é feita para punir, não é feita para forçar”.

Se isto  fosse tudo, seria já muito. Mas há ainda  uma cereja sobre este bolo. Ao nível dos rácios destinados a medir os grandes desequilíbrios figura um indicador relativo ao desemprego. Em princípio nenhum Estado deve ter um desemprego superior a  10% em média sobre três anos. Na Grécia, a taxa de desemprego é de 26%, na Espanha de 24%, em  Portugal de 13%, na Itália de 11%. A média da própria zona euro é superior à11 %. E o que é que se faz? Prescreve-se aos países em crise das medidas de austeridade incluindo a particularidade…. de  aumentar o desemprego. Mas ninguém se vai queixar  dessa prescrição porque isso poderia ser bem pior. Estes países poderiam com efeito ser sujeitos a sanções por causa de  tais  derrapagens. Tem-se finalmente essa possibilidade, [ a de estar calado}]porque como diz Pierre Moscovici “a Europa não é feita para punir, não é feita para forçar”. E como nos dizia  George Orwell em 1984, “ a Oceânia sempre esteve em guerra contra a Estasia”.

Pierre Moscovici sur le budget 2015: “il n’y a pas de sanctions contre la France, il y a des incitations”

Pierre Moscovici était l’invité de RTL ce vendredi matin. Le Commissaire Européen aux Affaires économiques et financières a notamment évoqué le délai de deux ans accordé à la France sur son déficit public. Selon lui, le pays est censé trouver environ 4 milliards d’euros supplémentaires en 2015.

Comissão Europeia - IIPierre Moscovici était au micro de RTL ce vendredi matin. ©Capture d’écran RTL

A França sob vigilância apertada pela  Comissão Europeia

“Não se trata de modo nenhum de uma vigilância apertada. A França é um país da União Europeia e por conseguinte como tal, deve respeitar as regras comuns. Estas regras não foram respeitadas no passado, devem ser respeitadas em futuro”.

“O que é dado à França é um caminho, não é uma punição, uma sanção. Sempre considerei, como Comissário, que as sanções são sempre um erro. A Europa não é feita para punir, para forçar, ela é feita para incentivar  um país a mudar, , a reformar-se e restabelecer também a situação das suas despesas públicas”.

“Houve uma discussão complicada na Comissão Europeia. Penso que no fim a decisão finalmente tomada é perfeitamente equilibrada. Não há sanções contra a França, há sim estímulos. A França tem necessidade de reformas, de uma economia mais competitiva. A França tem necessidade de restabelecer o seu comércio externo”.

“Vou pedir ao governo francês que apresente um plano nacional de reformas no mês de abril”.

Plano de reformas

“A lei Macron é um primeiro passo mas é necessário continuar [ para além dela e no mesmo  sentido, isto é, mais reformas na liberalização dos mercados]. O Primeiro-ministro  está a considerar  reformas sobre o diálogo social, talvez  reformas sobre o mercado do trabalho. Não estou lá para falar em nome do governo”.

“Não se pede ao país que se reforme desta ou daquela maneira. Pede-se-lhe  que se reforme. Respeita-se as soberanias nacionais mas é necessário que estas soberanias se inscrevam  num quadro comum”.

“Não falo de sanções mas de estímulos. Mas estes estímulos são urgentes. Diz-se-lhes firmemente que é necessário fazê-las, estas  reformas, como todos os países da Europa muito simplesmente”.

“Agora é necessário pôr as reformas no  papel, [ na lei e aplicá-las] ”.

________

 Ver o original em:

http://l-arene-nue.blogspot.pt/2015/03/la-commission-europeenne-est-forte-avec.html

 


Filed under: Economia, Política Tagged: comissão europeia, coralie delaume, frança, júlio marques mota, l'arène nue, pierre moscovici

A EUROPA DOS DEDOS DE HONRA – JOGO DE MÃO, JOGO DE VILÃO. E O JOGO DE DEDOS, JOGO DE EMOÇÕES – por CORALIE DELAUME

0
0

europe_pol_1993

A Europa dos dedos de honra – jogo de mão, jogo de vilão. E o jogo de dedos, jogo de emoções

mapagrecia

Coralie Delaume*, L’EUROPE DES DOIGTS D’HONNEUR, Jeu de mains, jeu de vilains. Et jeu de doigts, beaucoup d’émoi

logo_banniere

Revista Metamag, 19 de Março de 2015

Desinformação - II

Resumidamente, soube-se esta manhã que na sequência de sucessivos desmentidos do interessado, o vídeo que data de 2013 e em que se mostra Yanis Varoufakis em vias de fazer um dedo de honra à Alemanha era uma montagem. Uma partida imaginada por um humorista alemão, Jan Böhmermann, e que se lhe perdoa sem problemas e de boa vontade. Só faltaria que na França de “Eu sou Charlie” e “do espírito do 11 de Janeiro”, se estabelecessem fatwas contra os autores de brincadeiras de mão gosto. !

Mais dificilmente perdoável em contrapartida é a maneira como certa imprensa alemã de boa reputação, considerada como séria, retransmitiu esta questão. Certamente, como se explica aqui, o diário Frankfurter Allgemeine Zeitung teve a presença de espírito de se mostrar surpreendido. Porque o vídeo onde se vê aparecer saltar o dedo do desacordo apareceu de repente no Youtube em Fevereiro passado, enquanto que a conferência de Varoufakis incriminada  já foi há dois anos. No entanto, é uma emissão política que tem tudo o que há de mais “respeitável” difundida pela cadeia ARD que deu ao FAKE o seu mais largo eco. E, desta vez, sem estarem a pôr demasiadas perguntas. Ou então, não as boas…

É necessário acreditar que considerar de tanto interesse esta – decididamente muito digna – questão do dedo apresentava para alguns um certo interesse. Com efeito e como o explica Romaric Godin em La Tribune, esforçando-se por “fazer passar o governo grego para uma equipa de palhaços dignos do circo Bouglione (…) confirma a encenação da informação comprometida desde o 25 de Janeiro: Syriza não tem um programa realista, a prova final da ausência de alternativas à política da Troika”. E se, de passagem, fazer crer na ideia de que os Gregos são uns grosseirões, é melhor ainda! Incompetentes, está bem. Incompetentes e mal-educados, é ainda melhor. Como assim, se viesse a dar-se um “Grexident” de acordo com a fórmula de Wolfgang Schäuble, ou dito de forma diferente uma escorregadela infeliz pela parte da Grécia para fora da zona euro, poder-se-ia dizer quem são os toscos a arrasar!

É necessário dizer também que um muito velho hábito do dedo de honra pode deixar vestígios. Parece que quando se experimenta, nunca mais se deixa de utilizar.

Ora, parece que os meios de comunicação social alemães são agora utilizadores habituais.

Desinformação - I

Recorde-se o semanário Focus tinha publicado, em 2010, um número especial acompanhado  de uma “Une” excepcionalmente delicada a pretender revelar as “traições na família do euro”. A ilustração era uma Vénus de Milo a levantar o dedo maior. Então, quem começou?

Em todo caso, nunca se deixa de nos espantar a capacidade da “Europa- é – a – paz” em promover a compreensão mútua, a tolerância e a amizade entre os povos.

Não se acaba também de constatar, e com que vigor, que as nações da Europa que se tinha querido fazer desaparecer, enterrando-as sobre montões de regras e procedimentos pseudo federais, estão a reaparecer? Porque, da Europa não se vê nenhum vestígio nesta questão tão simbólica. Há de uma lado a nação alemã, defendendo com muita agressividade os seus interesses, ou o que considera como tal, e há, do outro lado, a nação grega que passou a agitar-se fortemente contra a corrente depois de estar anos e anos sob tutela e a debater-se fortemente porque aspira ao mesmo tempo a recuperar a sua soberania e muito da sua dignidade como país.

Enquanto se espera que alcance esses nobres objectivos – e em que tem poucas possibilidades de o conseguir enquanto não pretender o Grexit – teremos muitos dedos de honra. Não de uma parte ou da outra, mas todos de bem perto. Porque é necessário insistir : todos os dedos grandes que se têm visto esticados até agora, o de Jan Böhmermann como o de Focus eram made in Germany.

Seja como for, pode-se apenas esperar que se chegue rapidamente ao fim. Depois da Europa da massa, a última coisa de que se tem necessidade é de uma Europa a ser pelas costas totalmente massacrada pelos alemães.

Coralie Delaume, Revista Metamag, L’EUROPE DES DOIGTS D’HONNEUR – Jeu de mains, jeu de vilains. Et jeu de doigts, beaucoup d’émoi.Texto disponível em:

http://metamag.fr/metamag-2764-L-EUROPE-DES-DOIGTS-D-HONNEUR–Jeu-de-mains–jeu-de-vilains.-Et-jeu-de-doigts–beaucoup-d-emoi.html

* Ver também em:

http://l-arene-nue.blogspot.fr/search?updated-max=2015-03-28T02:24:00-07:00&max-results=7


Filed under: Informação/Comunicação Social, Política Tagged: coralie delaume, desinformação, frankfurter allgemeine zeitung, jan böhmermann, júlio marques mota, l'arène nue, revista metamag

AS ESQUERDAS HOJE NÃO TÊM OUTRAS ESCOLHAS QUE NÃO SEJAM OU ABANDONAR QUALQUER PERSPECTIVA DE MUDANÇA OU TORNAREM-SE REVOLUCIONÁRIAS –“ENTREVISTA COM CHRISTOPHE BOUILLAUD – por CORALIE DELAUME – I

0
0

Bouillaud - I

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

L’arène nue

As esquerdas hoje não têm outras escolhas que não sejam ou abandonar qualquer perspectiva de mudança ou tornarem-se revolucionárias – Entrevista com Christophe Bouillaud

Coralie Delaume, Les gauches n’ont le choix qu’entre abandonner toute perspective de changement ou redevenir révolutionnaires – entretien avec Christophe Bouillaud

Blog L’Arène Nue, 18 de Setembro de 2015

Christophe Bouillaud é professor de Ciências políticas no Instituto de Estudos políticos de Grenoble. É especialista da vida política italiana e, mais geralmente, da vida política europeia. Tem um excelente blog cujo link é o seguinte: que se pode aqui consultar*. O texto que se segue são as suas respostas a algumas perguntas que lhe foram postas a respeito dos movimentos de esquerda “alternativos” que se vêem aparecer e crescer (ou estagnar!) em vários países da Europa.

***

Vê-se emergir, um pouco por toda a parte na Europa, esquerdas alternativas: o Podemos em Espanha, Syriza em Grécia, Die Linke na Alemanha e outros. O que têm em conjunto? Parece-vos que irão desaparecer a prazo, a social-democracia e o comunismo?

Antes de sublinhar os seus pontos comuns, é necessário primeiro sublinhar as suas diferenças. Alguns destes partidos possuem uma relação histórica com o movimento comunista internacional, controlado desde Moscovo entre 1917 e 1991. É o caso por exemplo de Die Linke na Alemanha que eleitoral e humanamente permanece o herdeiro do PDS, o partido-sucessor do SED, partido hegemónico da RDA, ainda que outros elementos vindos da social-democracia ou do sindicalismo crítico da antiga RFA se tenham aqui agregado (entre os quais Oskar Lafontaine por exemplo).

Outros enraízam-se numa esquerda também ela comunista, mas que recusava a dominação soviética sobre o movimento comunista internacional. Trata-se de todos os partidos que correspondem a uma herança trotskista e ou mesmo maoista (como por exemplo o partido “Socialistische Partij” nos Países Baixos). É também o caso, para esquematizar, de Syriza, que enfrenta de resto na arena eleitoral grega, um partido comunista, o KKE, conhecido pelo seu imobilismo doutrinal.

Além disso, existem cisões de esquerda surgidas dos grandes partidos socialistas ou social-democratas de governo [do arco do poder]. É tipicamente o caso do Partido de esquerda na França. Por último, existe raras forças – Podemos é praticamente o único exemplo conhecido até agora – que não se enraízam em nenhuma experiência organizacional precedente e afirmam, pelo contrário, a sua total virgindade política, retomando ao mesmo tempo obviamente temas de esquerda tradicionais como a justiça social.

No total, apesar da sua diversidade de enraizamento histórico, a maior parte destas forças terminam – quando dispõem de eleitos ao Parlamento europeu – por se sentarem juntas no grupo parlamentar “da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica”, que não é outra coisa senão  o herdeiro do antigo grupo parlamentar dos comunistas a oeste do continente. De facto, no Parlamento europeu, estas formações reúnem-se muito mais facilmente do que os herdeiros do fascismo e do nacionalismo europeus dos anos 1910-1940, porque partilham uma finalidade internacionalista ancorada na história longa do movimento operário europeu. Têm todas, também, uma história comum mais recente: desde os anos 1980, estas forças – ou os indivíduos que as constituíram – conheceram praticamente apenas derrotas políticas. O mínimo que se possa dizer, com efeito, é que a influência destes partidos situados à esquerda da social-democracia dominante foi totalmente insignificante sobre a experiência europeia desde os anos 1980. Estas forças sobreviveram certamente, mas falharam totalmente quanto a influenciar as evoluções socioeconómicas desde então.

Elas sobreviveram e mesmo para lá disso, dado que parecem conhecer hoje uma nova juventude. É um fogo de palha, um simples fenómeno de moda ou isto parece-lhe duradouro?

Digamos que o período recente reabre oportunidades de agir aproveitando o esgotamento do modelo neoliberal. De facto, todas estas forças possuem conjuntamente a vontade de voltar a impor um compromisso entre o capital e o trabalho tal como este já pôde existir na Europa ocidental nos anos 1950-1970. O seu radicalismo é por conseguinte muito relativo dado que estão [decalcados]  sobre as posições social-democratas ou socialistas da época.

A grande diferença para com o passado, é que elas não dispõem para se fazerem ouvir senão da arma eleitoral. Nos anos 1950-1970, o capital europeu esteve muito disposto a fazer compromissos com os representantes do trabalho, porque, por um lado, os Soviéticos ocupavam uma metade do continente, e, por outro lado, porque o movimento operário podia pesar realmente em termos de relações de força na vida económica. Em 2015, o movimento operário é, sobretudo, uma lembrança histórica. Por toda a parte na Europa, já não tem mais nenhum peso directo, e este perdeu a sua capacidade em manter uma relação de força na sociedade. No limite, para citáramos o caso francês, os táxis, os buralistas, os agricultores bretões, etc. podem ainda ter um impacto sobre a vida social quotidiana e merecer alguma atenção por parte do poder político consequentemente. Já não é mais o caso do mundo operário de hoje, do trabalhador comum das fábricas e dos escritórios que agora só muito raramente fazem greve e que também já não podem mais bloquear coisa nenhuma, na verdade, a não ser a sua própria remuneração no final do mês. Consequentemente, a questão para os partidos que querem defender a justiça social torna-se agora a seguinte : como reintroduzir a justiça social no quadro do capitalismo actual sem ter a força do movimento operário consigo para criar uma relação de força?

Deve dizer-se que esta esquerda alternativa encara apenas um reordenamento do capitalismo? A ideia “de saída do capitalismo”, é uma questão eliminada ?

Na realidade, todos os partidos são críticos em relação ao capitalismo, mas, contrariamente à situação dos anos 1960-70, têm dificuldades enormes para proporem outra coisa que não seja uma gestão de esquerda do capitalismo, mesmo se frequentemente defenderem a sua conversão à ecologia. Já não têm com efeito nenhum modelo alternativo de sociedade e de economia a propor, como o podiam ser a planificação soviética ou a autogestão jugoslava por exemplo [de outros tempos].

Esta ausência de modelo alternativo existe já na realidade (Russa, Jugoslava) mas mais ou menos fantasiado, prolonga-se na sua maneira de gerir as colectividades locais quando estes partidos de esquerda alternativa chegam eleitoralmente à frente.nas eleições regionais ou locais. Por exemplo, “PDS Die Linke” pôde participar na gestão da cidade-Estado de Berlim sem que a diferença se visse muito, sem que se possa falar de um modelo inovador de gestão da coisa pública. Do mesmo modo, há já muito tempo que um município comunista já não é mais considerado em França como um elevado lugar da inovação social ou económica. Está aqui uma outra diferença com a história longa do socialismo.

Este último impôs-se muito frequentemente através do “socialismo municipal”, por conseguinte através de experiências de gestão local da coisa pública que permitiam mostrar na prática a capacidade em inovar radicalmente e de romper – mas sem violência – com as rotinas da sociedade burguesa do tempo. Mas nunca mais se viu, nestes últimos anos, que estes partidos “da esquerda da esquerda” tenham conseguido realmente inovar desta maneira. Por este facto, as experiências de gestão municipal de Barcelona e Madrid que começaram este ano vão ser decisivas: haverá, tal como antes, verdadeiras inovações? Haverá nesta ocasião a invenção de um socialismo municipal para o século XXI ?

Está a ser prudente quanto ao futuro destas formações. Será que nos vai falar “da frente das esquerdas” como o tem feito recentemente a France culture numa série de emissões que estão disponíveis?

A falar verdade, a tendência não é uniforme. Alguns destes partidos continuam a descer eleitoralmente à medida do desaparecimento da sua velha base operária (como “o Partido comunista Boémia-Moravia” na República Checa). Outros mantêm-se como Die Linke sem estar a ter êxito em conseguir sair realmente para fora da sua área histórica, apesar de serem hoje mesmo e desde há já algum tempo, a oposição de esquerda “à Grande coligação” (CDU-CSU-SPD) no poder na Alemanha. Outros foram totalmente entravados pelos mecanismos eleitorais, como o Partido de esquerda em França. Todos os partidos permanecem finalmente como sendo as segundas ou terceiras facas da sua vida política nacional. Podemos, que foi dado durante um certo tempo pelas sondagens como o primeiro partido espanhol está hoje, sempre de acordo com as sondagens, caído para águas bem menos gloriosas.

No fundo, o único partido desta família que teve êxito a furar [e saír da sua própria área ]  ao ponto de tornar-se o primeiro partido do seu país é Syriza. Mas para chegar a este resultado, foi mesmo assim  necessário uma crise económica sem precedentes em nenhum país europeu em tempos de paz, e três eleições de crise (duas  em 2012, e uma em Janeiro de 2015) que fizeram totalmente de voar em estilhaços a ordem eleitoral estabelecida na Grécia desde o regresso à democracia. O eleitorado grego não é assim diferente dos eleitorados dos outros países da antiga Europa do oeste. É necessário realmente muito para fazer mover o eleitorado para os extremos, e mais ainda para as extremas-esquerdas.

Apesar destes obstáculos, estes partidos situados à esquerda da social-democracia podem aproveitar-se da desintegração em curso desta última. Com efeito, todos estes anos de crise económica mostraram que a social-democracia não tinha realmente nada de novo a propor em matéria de luta contra a injustiça social, e que estava  completamente assente sobre posições que se podem resumir “num neoliberalismo de rosto humano”. O mandato presidencial para cinco anos de François Hollande é típico de um retrocesso deste socialismo majoritário sobre um neoliberalismo de pretensões só muito vagamente humanitárias. A presidência do Eurogrupo, tal como é exercida pelo social-democrata neerlandês Jeroen Dijsselbloem representa também uma ilustração perfeita desta realidade do socialismo maioritário, totalmente vergado sobre “o consenso de Bruxelas”. Sem estar a falar dos propósitos difamatórios tidos todo este verão por um Martin Schulz, Presidente social-democrata do Parlamento europeu, contra Syriza.

Este movimento para a direita das direcções social-democratas pode chegar a frustrar tanto a parte do eleitorado social-democrata mais à esquerda como pode conduzir a  situações como a do actual Parido Trabalhista britânico. Com a eleição de um sobrevivente improvável da ala esquerda do partido dos anos 1980, Jeremy Corbyn, os simpatizantes e militantes expressaram claramente que não teriam  mais nada a ver com a linha do “ New Labour”.  Em vez de se juntarem e criarem  um novo partido à esquerda do Partido trabalhista, o que teria sido de toda a maneira difícil de impor devido ao sistema eleitoral britânico, os trabalhistas agarraram a ocasião que (muito imprudentemente) lhes era oferecida pelas elites trabalhistas do “ New Labour” para subverterem o partido a partir do interior. A reacção um tanto desmedida de David Cameron que trata o novo líder dos trabalhistas como sendo “um perigo para a segurança nacional” testemunha de resto o facto de que os partidos de governo têm o hábito de funcionar como um clube de pessoas razoáveis fortemente aderentes ao neoliberalismo. Não concebem mesmo mais que possa existir uma oposição real entre eles sobre este ponto.

(continua)

________

________

Ver o original em:

http://l-arene-nue.blogspot.pt/2015/09/les-gauches-nont-le-choix-quentre.html


Filed under: História, Política Tagged: análise política, christophe bouillaud, coralie delaume, esquerda reformadora, esquerda revolucionária, história das ideias políticas, história recente, júlio marques mota, l'arène nue

AS ESQUERDAS HOJE NÃO TÊM OUTRAS ESCOLHAS QUE NÃO SEJAM OU ABANDONAR QUALQUER PERSPECTIVA DE MUDANÇA OU TORNAREM-SE REVOLUCIONÁRIAS – “ENTREVISTA COM CHRISTOPHE BOUILLAUD – por CORALIE DELAUME – II

0
0

Bouillaud - I

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

L’arène nue

 

As esquerdas hoje não têm outras escolhas que não sejam ou abandonar qualquer perspectiva de mudança ou tornarem-se revolucionárias – Entrevista com Christophe Bouillaud

Coralie Delaume, Les gauches n’ont le choix qu’entre abandonner toute perspective de changement ou redevenir révolutionnaires – entretien avec Christophe Bouillaud

Blog L’Arène Nue, 18 de Setembro de 2015

Christophe Bouillaud é professor de Ciências políticas no Instituto de Estudos políticos de Grenoble. É especialista da vida política italiana e, mais geralmente, da vida política europeia. Tem um excelente blog cujo link é o seguinte: que se pode aqui consultar*. O texto que se segue são as suas respostas a algumas perguntas que lhe foram postas a respeito dos movimentos de esquerda “alternativos” que se vêem aparecer e crescer (ou estagnar!) em vários países da Europa.

***

(conclusão)

O malogro de Alexis Tsipras na Grécia, que levará finalmente, da mesma maneira que os governos gregos precedentes, a uma política “memorandista” irá enfraquecer ou pelo contrário galvanizar estas esquerdas alternativas?

Vai primeiro dividi-las! Divide-as já entre os que acreditam que há um ganho político em ocupar, apesar de tudo, o poder de Estado para privar os adversários da direita de o ocuparem, e os que vêem nisso nada mais que uma traição dos ideais e das promessas, ou seja aqueles para quem o poder vale apenas tanto quanto se possa fazer a política que se deseja realmente. É de resto uma velha controvérsia à esquerda.

Além disso, é provável que a sequência da experiência Tsipras vá ser muito importante. Conseguirá ele em manter-se no poder na sequência das eleições de próximo domingo? Se sim, ao preço de que compromissos? E para fazer o quê? O mais provável nesta fase, dado que é tido com a corda ao pescoço pelo novo memorando, é, contudo, que falhe em efectuar uma política de esquerda, mesmo que minimalista do ponto de vista humanitário – dado que é disto que se trata com efeito, muito mais disto do que dos grandes projectos sociais-democratas à maneira dos anos 1960-70. A crise social grega vai por conseguinte agravar-se ainda mais. Por este facto, uma grande parte das esquerdas alternativas parece estar em vias de compreender que não é possível governar um país à esquerda no quadro europeu actual. E também que não podem esperar fazer com que o navio europeu mude de trajectória tanto quanto são estruturalmente minoritárias

O problema torna-se então o seguinte: estas esquerdas não têm mais nenhuma outra alternativa que não seja ou de abandonarem qualquer perspectiva de mudança perceptível ou então voltarem a serem revolucionários no sentido antigo da palavra. Ora, acontece que todo o percurso destas esquerdas, em especial da ala comunista mais tradicional como o PCF em França foi o de precisamente, desde os anos 1970, de abandonar toda e qualquer perspectiva revolucionária. Do mesmo modo, os partidos comunistas têm na sua maior parte aceite a pertença do seu país à União europeia e inscreveram-se nesta perspectiva vaga de uma “ Outra Europa”, como o tinha feito, aliás, Alexis Tsipras ele mesmo ao passar a ser o candidato destes partidos à Presidência da Comissão Europeia em 2014. Ora é todo este trajecto a considerar uma “ Outra Europa”, que se obteria à força de pressões eleitorais suaves e repetidas, que se encontra posto em cheque pela situação grega [ depois de ter assinado o memorando III em 12-13 de Julho]. Claramente, verifica-se que as eleições num país periférico e devedor da zona euro não têm mais nenhum peso político. Mesmo um referendo não tem mais nenhum peso. De facto, é suficiente imaginar outro percurso para a Grécia, depois do dia 6 de Julho de 2015, do que o que foi escolhido por Tsipras, para se dar conta que é na verdade uma revolução que seria necessário fazer – ou pelo menos uma ruptura nítida com a situação existente. Além disso, como uma tal revolução só se pode fazer sobre uma base nacional, isto desestabiliza completamente esta esquerda, no fundo muito europeísta. É suficiente ver as propostas “do Plano B” do grupo Varoufakis/Mélenchon/Lafontaine/Fassina. Este ainda permanece como um esboço de plano destinado a fazer pressão sobre a “Outra Europa”. Não é muito realista. Somente a saída da zona Euro ou da União europeia seriam realistas, mas isso implicaria acabar e por muito tempo com o sonho da Europa unida. Tertium non datur. A esquerda não deixou até agora de estar dividida sobre este ponto.

Em paralelo à emergência destas esquerdas críticas, vê-se crescer por toda a parte diversas formas “de populismo de direita”. Num caso como no outro, que eles dêem respostas à esquerda ou respostas à direita, constata-se que todos estes movimentos puseram no centro do seu discurso duas temáticas: a da União europeia (que seria necessário seja abandonar seja reformar) e a da soberania (nacional e/ou popular). Devido a que razões?

Este enervamento crescente contra a União europeia, tanto, certamente, à extrema-esquerda como à extrema-direita dos tabuleiros do xadrez político, devem-se ao facto deste último condicionar  muito fortemente as políticas públicas dos Estados-Membros. É necessário ao mesmo tempo respeitar a ordem neoliberal em economia, e a ordem “libertária” em matéria de costumes no sentido lato do termo (direitos do homem, liberdades pró-criativas, direitos dos homossexuais, estatuto dos estrangeiros, etc.).

Contrariamente ao que se diz, por vezes, à esquerda, este duplo constrangimento “liberal/libertário” não resulta somente dos tratados, mas também das relações de força partidárias no Parlamento europeu (como o mostram efectivamente os estudos do grupo Votewatch.eu) e no seio do Conselho europeu. Se o leitor for, como o é actualmente o muito conservador Viktor Orban, a favor da promoção da vossa economia nacional e da defesa “da Europa cristã” (e não necessariamente a do Papa Francisco…), o leitor encontrar-se-á muito largamente fora das linhas defendidas pelo consenso que reina em Bruxelas. Portanto, os que defendem visões contraditórias com este consenso europeu “liberal/libertário” terão cada vez mais a tentação de deixar o navio europeu, à medida que os seus próprios eleitores compreenderem que não têm nada a esperar da União europeia.

Teria sido necessário sem dúvida uma visão muito mais atenta às fixações de cada população para evitar este tipo de escolhos: o caso húngaro ilustra-o efectivamente. Está aí o caso de uma nação “étnica” que tem medo de desaparecer demograficamente e que ainda não se refez o do traumatismo do Tratado de Trianon de 1920. Teria sido possível prever de antemão que a chegada de imigrantes ou de refugiados sobre o seu solo, muçulmanos além disso, seria imediatamente instrumentalizada pela direita e extrema-direita do país. Por conseguinte teria sido necessário ser muito mais cuidadoso e mais realista, no conjunto das disposições dos tratados, e seria bem melhor respeitar as idiossincrasias de cada um. Se amanhã o Reino Unido deixar a União na sequência de um referendo, isso será largamente devido a esta falta de discernimento nas obrigações impostas a este país em declínio secular.

Precisamente! A Grã-Bretanha, que tem no entanto uma relação muito distendida para com a Europa, também encontrou o seu líder de esquerda crítica na pessoa de Jeremy Corbyn, de quem se diz que tem extremamente pouca simpatia para com a UE. Como explicá-lo?

O que compreendo, é que a dinâmica Corbyn está principalmente inscrita na vida política britânica, na recusa de certos sectores da esquerda em aceitar a dominação do neoliberalismo sobre o “New Labour”, e a recusa das políticas conservadoras efectuadas por Cameron e que parecem feitas para durar. Esta eleição não tem por conseguinte uma relação muito nítida com a União Europeia, porque o Reino Unido não teve nenhuma necessidade da UE para se tornar o paraíso (ou o inferno?) do neoliberalismo. No país dos contratos de trabalho zero-horas, a União europeia pode ainda aparecer, por contraste, como uma esperança de justiça social.

Contudo, é significativo que o novo líder dos trabalhistas não seja um entusiasta europeísta. Recorda-se sem dúvida que nos anos 1970, era a direita conservadora que queria a entrada do Reino Unido no Mercado Comum, e não tanto a esquerda trabalhista que tinha dúvidas quanto a este projecto de integração continental. Contudo, Corbyn não deu o passo de defender a saída do seu país da União europeia, quando ele própria poderia então aproveitar a ocasião com o referendo que prometeu imprudentemente David Cameron sobre o assunto. Provavelmente, a questão escocesa complica a equação, dado que o SNP (Scottish national party) se declara fortemente ligado à União Europeia.

Bom, não se irá evidentemente ao ponto de dizer que “a direita da direita” e “a esquerda da esquerda” se equivalem sobre a questão europeia, e que, de acordo com uma famosa banalidade, “os extremos juntam-se”. Não é?

Certamente que não. Fora da constatação partilhada de uma pressão cada vez maior da União Europeia sobre as políticas públicas nacionais (sobretudo em matéria de política económica onde existe mais apenas o one best way neoliberal a todo o custo promovido pela Comissão Europeia e o BCE), existe uma evidente diferença de abordagem entre extrema-direita e a extrema-esquerda crítica da Europa. A direita, é fácil ser nacionalista e dizer  mal de Bruxelas, “da EURSS, [ou seja da Europa modelo  soviético]”, ao mesmo tempo que se proclama mesmo assim disponível para uma colaboração entre nações europeias soberanas. A esquerda, não é coisa dada o propor-se uma ruptura com o projecto europeu, considerado como tendo também aspectos muito positivos quando é tomado sob o ângulo “libertário” (ao sentido por exemplo de defesa da igualdade homens/mulheres, dos direitos dos homossexuais, etc.).

De facto, é suficiente que num país o orgulho nacional – na acepção de capacidade de ver o futuro do país como o de um país autónomo e auto-suficiente – esteja um pouco desenvolvida para que a assimetria dos resultados entre a esquerda e a direita euro‑criticas seja impressionante. A França representa o caso típico desta situação: a extrema-direita adquiriu um bom avanço na crítica da União Europeia fazendo apelo à ideia de grandeza – perdida mas possível de reencontrar – do país. Durante este tempo, a extrema-esquerda perde-se em argucias em redor da possibilidade ou não de tornar o euro mais social…

Conhece particularmente efectivamente a Itália. Como país da Europa do Sul largamente maltratado pela crise das dívidas soberanas e pelo euro, deveria  então ter também o seu partido de esquerda crítico. Mas isto não é o caso. Porquê? Que formação ocupa este lugar na Itália?

É necessário compreender que na Itália, “a esquerda da esquerda” – o Partido da Refundação comunista ou os Verdes por exemplo – tiveram todas as aventuras e desventuras da esquerda governamental desde 1993. Tanto ao nível nacional como regional ou comunal, devido aos modos de voto adoptados desde essa época, esta esquerda funcionou como uma periferia crítica da esquerda dominante, a antiga maioria PCI (Partido comunista italiano) que se tornou o PDS (Partido democrático da esquerda), depois chamou-se de  DS (Democratas de esquerda) e, por fim, PD (Partido democrata). Nunca esta “esquerda da esquerda” foi capaz de representar outra coisa que não fosse apenas o de grupo de companheiros de estrada, certamente um pouco rebeldes e irrequietos, da esquerda dominante. De imediato, aceitou todas as reformas neoliberais feitas por esta esquerda dominante com a qual nunca cortou. É necessário acrescentar ainda as inúmeras querelas de pessoas, a construção de capelas e de subcapelas na sequência das derrotas sucessivas, uma fixação desastrosa sobre as glórias passadas do comunismo italiano, uma propensão extraordinária a escolher líderes medíocres, um gosto a corrupção também ao nível local e regional.

Face a esta situação vai criar-se, em 2007-09 e por iniciativa do humorista Beppe Grillo, “o Movimento 5 Estrelas”, que vai afirmar-se “para além da esquerda e da direita”. À partida, vai atrair militantes frequentemente ligados aos combates ecológicos locais, que teriam podido estar e ser da esquerda da esquerda se esta última não lhes fosse desagradável. De facto, o desgosto de uma parte dos eleitores italianos contra a classe política está então como este movimento rotulado “nem direita nem esquerda” encontra um imenso sucesso nas eleições de Fevereiro de 2013.

Depois de uma passagem no vazio, parece que o M5S representa doravante a grande força de oposição ao governo de centro-esquerda de Matteo Renzi, nomeadamente sobre as problemáticas de esquerda como a defesa de um rendimento mínimo garantido para todos os Italianos. É necessário igualmente notar que o M5S ousa ter um discurso muito crítico contra a União Europeia, e a zona euro em especial. Nunca um partido italiano de esquerda teria ousado defender  este tipo de posições, porque a esquerda italiana é, desde os anos 1970 e do período do eurocomunismo, muito europeísta. Para muitos, o internacionalismo comunista foi substituído pelo europeísmo. Deste ponto de vista, o M5S é um movimento nacionalista, porque entende fazer prevalecer os interesses reais dos Italianos, da economia italiana, sobre qualquer forma de crença europeísta, prevalecendo-se da realidade de uma Itália, se o posso dizer, já europeia (honesta, trabalhadora, instruída, conectada, etc.). Em certa medida, o M5S pensa que a Itália tem bastante de Europa nela mesma para não ter necessidade de receber lições de Bruxelas e de Frankfurt.

Além disso, parece que o movimento do  PD para o centro – ou mesmo para a direita – impulsionado pelo Matteo Renzi, o seu líder desde o fim de 2013 e actual Presidente do Conselho, é tão evidente que uma parte da minoria PD vai tentar este outono fundar um novo e verdadeiro partida de esquerda. É por conseguinte possível que uma força alternativa acaba por existir à esquerda do PD. Para terminar, é necessário notar que um dos problemas da esquerda italiana reside na relação para com o comunismo. As últimas eleições mostraram que a marca comunista (a foice e o martelo) já não valia coisa nenhuma no mercado eleitoral italiano. É sem dúvida tempo de fazer o luto pelo PCI e de ir realmente em frente …

De acordo com a sua posição, a que partido “de esquerda alternativa” já existente a nova formação italiana procedente do PD se poderia assemelhar? Quais são as suas possibilidades de avançar na paisagem política do país?

Esta força nova será sem dúvida crítica no que diz respeito à actual União europeia, mas não irá provavelmente ao ponto de preconizar uma ruptura com a zona euro ou a UE.

Esta problemática permanecerá por conseguinte o privilégio do M5S ou da direita extrema, representada pela Liga do Norte de Matteo Salvini. Este partido investiu no eurocepticismo desde 1999. No entanto,  participou em todos os governos de Silvio Berlusconi sem estar a influenciar em nada a sua política europeia. De imediato e apesar da sua retirada na oposição desde Outubro de 2011, estava até há bem pouco tempo em declínio. Actualmente, o seu novo líder decidiu jogar à fundo a carta da anti-UE, e fazê-lo em nome de toda a Itália (enquanto que se trata à partida de um partido de defesa dos interesses do Norte da Itália contra o Sul do país). Como frequentemente à direita do xadrez político, este discurso euro-critico  junta-se  a uma xenofobia afirmada, na espécie de uma recusa de qualquer presença do Islão na Itália. De imediato, este partido nunca esteve tão bem colocado nas sondagens de opinião

Em síntese, a esquerda crítica joga um papel eleitoralmente menor sobre o xadrez político italiano, e duvido que com o M5S de um lado e a Liga do Norte do outro, um qualquer discurso crítico sobre a Europa proposto por  um qualquer  destes dois partidos venha  a encontrar muita audiência.

Christophe Bouillaud, blog Arène Nue, « Les gauches n’ont le choix qu’entre abandonner toute perspective de changement ou redevenir révolutionnaires ». Texto disponível em : http://l-arene-nue.blogspot.pt/

________

 Ver o original em:

http://l-arene-nue.blogspot.pt/2015/09/les-gauches-nont-le-choix-quentre.html

________

Para ler a Parte I desta entrevista a Christophe Bouillaud, por Coralie Delaume, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

http://aviagemdosargonautas.net/2015/11/10/as-esquerdas-hoje-nao-tem-outras-escolhas-que-nao-sejam-ou-abandonar-qualquer-perspectiva-de-mudanca-ou-tornarem-se-revolucionarias-entrevista-com-christophe-bouillaud-por-coralie-delaum/


Filed under: História, Política Tagged: análise política, christophe bouillaud, coralie delaume, esquerda reformadora, esquerda revolucionária, história das ideias políticas, história recente, júlio marques mota, l'arène nue

UNIÃO EUROPEIA: TRÊS ANIVERSÁRIOS E UM FUNERAL, de DAVID CAYLA e CORALIE DELAUME

0
0

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

União Europeia: três aniversários e um funeral

David Cayla e Coralie Delaume, Union européenne: trois anniversaires et un enterrement

L’arène nue, 11 de Março de 2017

O ano 2017 promete ser um ano eleitoral decisivo para a França mas também para os Países Baixos e para a Alemanha, ou dito de outra maneira, para metade dos membros fundadores da velha “Europa dos seis”. Um ano charneira para o projeto europeu. Mas 2017 é também o ano dos aniversários.

Deveriam ser festejados em franco júbilo. Porém, nunca se esteve tão embaraçado. Ou nos calamos sobre estes aniversários, ou os festejamos o mais discretamente possível. Sem dúvida comemorar-se-á pelo menos, o 25 de março, os 60 anos do tratado de Roma. Mas não se sabe ainda com que estado de espírito. Dez dias antes, o partido de direita radical eurosceptique PVV (Partido para a liberdade) talvez tenha então vencido as legislativas holandesas, sem estar a obter contudo os 76 lugares necessários para governar sozinho. Com quem se irá associar para formar uma coligação? Na mão, quantas semanasde instabilidade para o país e de incerteza para a Europa?

Celebrou-se apenas em picotado, em todo caso, os 25 anos da assinatura do tratado de Maastricht. Era a 7 de fevereiro. Na véspera, a Grécia e os seus credores tinham-se encontrado à volta de um relatório do Fundo Monetário Internacional (FM). O FMI insistia e irritava os seus parceiros europeus da ex-troika com a sua posição de que  “A dívida grega é insustentável. Mesmo com uma aplicação plena e total das reformas aprovadas no âmbito do programa de ajuda, a dívida pública e as necessidades de financiamento vão tornar-se explosivas a longo termo”, afirmava-se no relatório. Assim, repetia-se apenas o que já se tinha dito em 2013, 2015 e 2016 em diversos relatórios.

Porque o Fundo defende desde muito longa data que seja aliviada a dívida grega. Nas próximas semanas, o FMI poderia retirar-se do plano “de ajuda” a Atenas se as suas opiniões não forem ouvidas, o que colocaria a a crise grega no primeiro plano da atualidade europeia. Problema: a Alemanha não quer sequer ouvir falar de uma reestruturação da dívida grega. A alguns meses das eleições legislativas de Setembro de 2017, é pouco provável que Angela Merkel ou o seu concorrente social-democrata Martin Schulz desejem apresentar aos contribuintes alemães a perda financeira que tal reestruturação imporia. Portanto, além-Reno, fala-se de novo “de Grexit”. Wolfgang Schäuble, o ministro alemão das Finanças e inventor, em 2015, da expressão “Grexit temporário” (saída temporária da Grécia do euro) e “Grexident” (“saída da Grécia do euro por acidente”), sonha na verdade apenas com a “Grexpulsão” (“expulsão da Grécia”). Recentemente tem estado acompanhado sobre esta linha por um dos seus compatriotas, o Vice-Presidente do Parlamento europeu. Alexander Graf Lambsdorff assim afirmou numa entrevista ao jornal Challenges: “Devemos encontrar rapidamente um meio para manter a Grécia na UE e para que esta continue a beneficiar dos seus mecanismos de solidariedade, mas sempre acompanhando-a fora da zona euro. Devemos tratar duma transição, por etapas, para o seu regresso a uma moeda nacional.”

Vê-se, há mesmo boas razões para não festejar, no 1º de janeiro o aniversário do euro. Faz pois quinze anos que a moeda única entrou nas nossas carteiras, mas sem estar a fazer a felicidade de todos. É sobre a saída que agora se discute, em todo caso, para a Grécia. Talvez mesmo para outros.

Porque não para a Alemanha? A proposta parece tão incoerente tanto a situação atual parece ótima para o país. Por razões detalhadas no nosso livro, a livre circulação dos fatores de produção no mercado único conduz o capital produtivo a concentrar-se no espaço alemão, em detrimento dos países periféricos. A crise que se seguiu em 2010 forçou a Europa a voar em socorro da Grécia, da Irlanda, de Portugal, da Espanha e de Chipre. Mas nenhum país credor ainda ajudou do seu próprio bolso dado que “a ajuda” europeia fez-se sob a forma de empréstimos. A Alemanha, cuja dívida se tornou “um valor refúgio”, endivida-se gratuitamente sobre os mercados. Beneficia por conseguinte do capital financeiro europeu para além já, de beneficiar do capital produtivo. O euro, demasiado fraco face à competitividade do país, garante-lhe uma competitividade custo muito superior à que existiria se esta tivesse mantido o marco. Assim, a economia germânica teve em 2016 um excedente corrente de 300 mil milhões de dólares, o mais elevado do mundo.

Como este extraordinário excedente comercial é vilipendiado pelos Estados Unidos desde a chegada de Donald Trump, Angela Merkel teve que o admitir a 18 de Fevereiro: o euro põe problemas. Aquando de uma conferência sobre a segurança em Munique, a chanceler declarou: “Temos neste momento na zona euro certamente um problema com o valor do euro. […]. Se tivéssemos ainda o deutschemark, teria certamente um valor diferente do valor do euro neste momento.” Uma maneira de desarmar as críticas americanas atribuindo a responsabilidade dos disfuncionamentos da União económica e monetária à intangibilidade das estruturas, à moeda única, à política efetuada pelo BCE. Mas uma maneira também, talvez, de lamentar este Marco alemão abandonado de má vontade porque ligado à identidade de um país em que ele acompanhou o país duas vezes a unificação na história recente (1949 e 1990), e que permanece o símbolo de um soberania alemã de que seria errado negligenciar a sua importância.

A Europa não está pois em festa. Estes três aniversários são a ocasião de fazer um sombrio balanço das promessas não tidas do projeto europeu. Mas as eleições que aí estão à porta serão a ocasião de escrever a história no presente. Não seria tempo para que a campanha presidencial atribuísse a esta temática a importância que merece?

David Cayla e Coralie Delaume, Union européenne : trois anniversaires et un enterrement. Texto disponível em : http://l-arene-nue.blogspot.pt/

Tribune initialement parue dans Libération


Filed under: Economia, História, Política Tagged: coralie delaume, david cayla, júlio marques mota, l'arène nue, saída da união europeia, ue, união europeia

RETRATOS, IMAGENS, SÍNTESE DOS EFEITOS DA CRISE DA ZONA EURO SOBRE CADA PAÍS

0
0

Selecção, tradução e adaptação por Júlio Marques Mota

Política económica: depois de TINA, o que é que ficou? Ficou TINS? Ficou não há nenhuma solução?

TINS

 

Após a sequência muito centrada sobre a sociedade,  sobre o casamento para  todos, estamos à beira de uma nova “mudança-é-agora” ?

A folhear  a imprensa  diária, é essa a impressão com que se fica. Aliás, esse “novo começo” parece ter sido objecto de uma palavra de ordem dada a partir de  dentro do Partido Socialista. Se Claude Bartolone fala, no  Le Monde, de um  “segundo  tempo do quinquénio”, Stéphane Le Foll evoca, em Les Echos, a “fase  ofensiva” do mandato.

Em que é que consiste esta nova  fase? Para o Presidente da Assembleia Nacional,   trata-se  de  especialmente de  “melhorar o  poder   de compra  sem desequilibrar as contas públicas”. O ministro da Agricultura fala, entretanto, ” da necessidade de  se ter  os meios para revitalizar o crescimento “. É  uma questão de tempo  e poderemos então  procurar saber ou perguntar  porque não  se começou por aí.

Estamos esclarecidos sobre os objectivos e subscreve-se isto sem problemas.  Resta ainda determinar quais são os meios para ai se conseguir chegar. É  aqui que a coisa se estraga…

Na sequência da deputada Karine Berger, que defendia há ainda  uma semana atrás uma mobilização da poupança  privada  dos franceses a  favor do  investimento, Stéphane Le Foll afirma o seguinte: “a crise exige que a esquerda mude de  estratégia.  Durante muito tempo, pensava-se que o estímulo passava pelos  gastos públicos e pelos  empréstimos. Hoje é o investimento produtivo que  irá  permitir relançar a actividade”. Uma boa e velha política da oferta, em suma. Como também esta posição é  confirmada por Bartolone , que quer quanto a ele “reconciliar-se com  os  empresários”. Ah, pois,  ah, ok, eles estavam zangados?

Mas zangados com  o quê?  Não é isso   exactamente  uma política da oferta que o governo Ayrault   está a conduzir  desde o início? Não é  precisamente o objectivo do relatório Gallois, do choque, do pacto, do paleio sobre  a  competitividade? Não se tratava já,  via o CICE (crédito de imposto para a competitividade e para o  emprego), de se reconciliar com os empresários? Onde está, portanto, o segundo  fôlego do quinquénio?

Acima de tudo, para  quem vai servir, portanto, esta política da oferta e esse incentivo ao investimento se os patrões  não estão a antecipar a retoma económica? Se se é neoliberal  – o que Bartolone  e  le Foll parecem   ser – deve-se então ser  consistente. Um dos axiomas do neoliberalismo é o de considerar os agentes económicos como  agentes racionais. Há, portanto, uma contradição com o facto de se estar a tomar os patrões como  burros.  Estes  não investem só porque se é gentil, amável, com eles. Eles fazem-no quando vêm nisso algum interesse  que para eles o justifica. No entanto, como escreve Frédéric Lordon, “ as empresas  só aumentam a  sua capacidade de produção  na condição de estar a antecipar  uma procura  suficiente. De resto, elas  procedem a   investimentos de   racionalização que aumentam   a produtividade, mas que destroem  empregos. Podem-se deixar estar a acumular lucros, contanto que eles o queiram: mas se não há procura, não há então investimento.”

E sem braços, não há  chocolate, diz o ditado. Mas Stéphane Le Foll  está-se nas tintas, porque favorecer a procura, isto tornar-se-ia  piroso, fora de moda. O ministro disse-o  sem pestanejar: “a esquerda deve pensar o post-keynesianismo. É verdade que o post-marxismo, por falta de  ter sido  pensado,  levou, de facto,  a que este tenha sido  ratificado  pela esquerda. Na classificação  ao nível dos economistas sensatos apenas aí permanece  Keynes: apressemos-nos a  dar-lhe cabo da vida .

O problema é que o post-keynesianismo  já foi testado em toda a Europa  e mostrou-se que não funciona.  Muitas vozes se levantam agora  – e não das  mais heterodoxas –  a  explicar que a política austeritária  “atingiu os seus limites”. Sem falar de  instituições – mesmo o FMI e a sua subestimação do “multiplicador  orçamental” – ou dos economistas – mesmo o erro magistral   cometido por Reinhart e Rogoff – que promovia  a dita  austeridade   baseado em cálculos… falsos.

E perguntar-se-á então, não sem uma ponta de ansiedade : se Marx está morto, se o neoliberalismo e a austeridade  já mostraram o que não valem, não valem mesmo nada,  e se é necessário matar também Keynes, qual é a solução residual que nos fica?

Depois de nos terem saturado com a palavra  TINA (there is no alternative -não há nenhuma alternativa)  durante  três décadas, será que nos vão agora  explicar  que não há nenhuma solução  (there is no solution -não há nenhuma solução)?

Texto editado por Coralie Delaume,
Blogue L’Arène Nue, em 25 de Abril de 2013
http://l-arene-nue.blogspot.pt/2013/04/politique-economique-apres-tina-est-ce.html

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

No blogue   de  onde o texto é retirado sugerem-nos que se  leia o seguinte texto de Marc Bloch que aqui reproduzo na língua original e acrescento a minha tradução:

Marc Bloch :

« Mais le fait est là: et nous pouvons maintenant en mesurer les résultats. Mal instruits des ressources infinies d’un peuple resté beaucoup plus sain que des leçons empoisonnées ne les avaient inclinés à le croire, incapables, par dédain comme par routine, d’en appeler à temps à ses réserves profondes, nos chefs ne se sont pas seulement laissé battre. Ils ont estimé très tôt naturel d’être battus. En déposant, avant l’heure, les armes, ils ont assuré le succès d’une faction. «

‘ Mas o facto está à nossa frente: e agora  podemos medir os  seus  resultados. ‘ Mal instruídos  quanto aos recursos infinitos de um povo que  durante muito tempo se manteve muito mais saudável   do que as lições envenenadas os tinham levado a acreditar, incapazes, por desdém como por rotina,  de saber  recorrer a tempo às  suas reservas  profundas , os nossos dirigentes não somente se deixaram bater. Eles consideraram natural desde muito cedo serem batidos.  Ao deporem antes do tempo  as suas armas eles garantiram o sucesso de uma facção. «

Marc Bloch _ L’étrange défaite_ Témoignage écrit en 1940

Coralie Delaume 


Filed under: Economia Tagged: blogue arena nua, contas públicas, coralie delaume, júlio marques mota, marc bloch, poder de compra, tina

EM PORTUGAL, UM LIVRO ANTI-EURO QUE É UM SUCESSO, por CORALIE DELAUME. TRADUÇÃO E NOTAS DE JÚLIO MARQUES MOTA:

0
0

Nota introdutória

Um texto sobre um livro, um texto sobre João Ferreira do Amaral e não só.

João Ferreira do Amaral e com toda a justiça  é aqui colocado ao mesmo plano que os principais economistas franceses que com as suas análises profundamente críticas , face à eurocracia das Instituições europeias e à arquitectura institucional da zona euro,   vêm defendendo o fim do euro. É pois prazer com vimos João Ferreira do Amaral colocado ao lado de Jacques Sapir, Jean Luc Greau, Jean-Michel Quatrepoint e Frédéric Lordon, quase todos eles nomes conhecimentos dos viajantes em A viagem dos argonautas. Um texto a ler, sobre um livro que, na minha singela opinião,  todos devem ler.

E boa leitura

Júlio Marques Mota

xxxxxx

Em Portugal, um livro anti-euro que é um sucesso (Au Portugal, un livre anti-euro fait un tabac)

 

Não se trata de um polar. Trata-se de um trabalho sobre a economia lusitana. Em Portugal, é um sucesso. Porque devemos sair do Euro , do economista João Ferreira do Amaral, é um dos livros mais vendidos no país. À frente nas vendas , em certas semanas destronava até a trilogia ” As Cinquenta Sombras de Grey, de de E. L. James”, afirma o Wall Street Jornal.

Porque devemos sair do euro

A tese do ensaio é a seguinte: as curas de austeridade impostas em Portugal são sem fim, [sucedem-se umas às outras e sempre com a situação a piorar]. O país perdeu muito em termos de competitividade e não tem nenhuma possibilidade de inverter a situação com o euro, uma ” moeda demasiado forte para a indústria portuguesa”.

Isso também é verdade: a cerca de 1,3 dólares por euro, o euro é uma moeda muito cara. Muito cara relativamente à moeda americana, evidentemente. Mas também relativamente ao yuan – encostado ao dólar, e desde há algum tempo, ao iene também, porque o Japão desde há muito pouco tempo conduz uma política monetária muito expansionista.

Portanto, daí a solução preconizada por João Ferreira do Amaral: regresso ao escudo para, finalmente, ser possível desvalorizar. Uma ideia clássica, para um resultado na livraria que é menos clássico: o livro foi lançado no início de Abril, mas já foi reimpresso… quatro vezes.

***

Um tal acontecimento “literário” é o primeiro do seu género em Portugal, mas não é o primeiro na Europa.

Na Alemanha, o muito controverso Thilo Sarrazin, antigo membro do Bundesbank, de onde teve que se demitir em Setembro de 2010, depois de ter sido acusado de racismo, publicou em Maio de 2012 um inflamado livro anti-euro, l’Europe n’a pas besoin de l’euro ( A Europa não tem necessidade do euro).

É aí que se insurge simultaneamente contra a teimosia de Angela Merkel em querer salvar a moeda única e contra a proposta francesa de mutualizar as dívidas públicas sob a forma de euro obrigações, os eurobonds. Este autor, no seu livro, conclui a sua tese   fustigando a …”chantagem ao Holocausto “, dirigida, segundo ele, pelos outros países para obrigar a Alemanha a permanecer no euro.

***

Nada disto no livro Faut-il sortir de l’eurodo français Jacques Sapir. Publicado em Janeiro de 2012, esta obra é a primeira do género [1].

Faut-il sortir de l'euro

Se o autor aqui defende, clara e exaustivamente, a sua preferência por um abandono da moeda única, o livro tem ainda a  vantagem de apresentar a opção do euro se tornar, isso sim, a moeda comum europeia, ao lado das moedas nacionais.[2]

Esta divisa – comum e não única- seria utilizada apenas para as transacções extra-europeias enquanto que no plano interno, os Estados regressariam às suas moedas nacionais. As paridades dessas moedas, seriam definidas de forma concertada. Esta solução ofereceria duas vantagens: por um lado, o euro protegeria as moedas nacionais dos ataques especulativos externos, apenas o euro-moeda- comum- estaria destinado a “viajar”. Por outro lado, os diferentes países reencontrariam a oportunidade de ajustar as suas taxas de câmbio recíprocas em função das diferenças de competitividade.

Esta opção é igualmente defendida igualmente por  Jean-Michel Quatrepoint e por Jean-Luc Gréau.

Recentemente esta opção é também defendida por Frédéric Lordon.

Fonte: Au Portugal, un livre anti-euro fait un tabac, disponível no blog L’arène nue, o  blog de Coralie Delaume, cujo endereço é: http://l-arene-nue.blogspot.pt/

______

[1] Nota do Tradutor. Na minha opinião, colocaria historicamente o livro de Christian Saint-Etienne, La fin de l’euro, 2009, como a primeira obra a levantar a questão do fim do euro

[2] Desse ponto de vista, veja-se igualmente o artigo de André-Jacques Holbecq A moeda comum contra o desmembramento da área do euro,  já publicado em A Viagem dos Argonautas.


Filed under: Economia Tagged: coralie delaume, jacques sapir, júlio marques mota, joão ferreira do amaral, l'arène nue, saída do euro
Viewing all 14 articles
Browse latest View live




Latest Images